Os crimes sexuais e a dignidade da
pessoa humana:
A Lei 12.015/2009 reformulou
quase que integralmente os antigos crimes contra os costumes, agora alçados à
crimes contra a dignidade sexual. Rogério Greco assevera que a dignidade sexual
é uma das espécies do gênero dignidade da pessoa humana, declarando o ilustre
autor que a expressão crimes contra os costumes não traduzia a realidade dos
bens juridicamente protegidos pelos tipos penais que se encontravam no Título
VI do Código Penal. O foco da proteção já não era mais a forma como as
pessoas deveriam se importar sexualmente perante a sociedade do século XXI, mas
sim a tutela da sua dignidade sexual. (GRECO, Rogerio. Código penal
comentado. São Paulo: Impetus. 2010. P. 579).
Condição de procedibilidade: Antes, os crimes eram,
em regra, de ação privada, passando agora, contudo, a depender da representação
da vítima. Dispõe, porém o parágrafo único
do art. 225 do
Código Penal que,
sendo a vítima menor de 18 anos ou vulnerável, a ação será pública
incondicionada. São consideradas pessoas vulneráveis os menores de 14 anos, os
enfermos e deficientes mentais, quando não tiverem discernimento para a prática
do ato, bem como aqueles que por qualquer causa não tiverem o necessário
discernimento para a prática do ato, e ainda aqueles que por qualquer causa não
puderem oferecer resistência à prática sexual. (NUCCI, Guilherme de Souza
Nucci. Código Penal Comentado. São Paulo: RT. 2010. P. 927.). De acordo com o
STJ:
RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. LESÃO CORPORAL LEVE. VIOLÊNCIA REAL. AÇÃO PENAL
PÚBLICA INCONDICIONADA. SÚMULA Nº 608/STF. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
RETRATAÇÃO DA OFENDIDA. IRRELEVÂNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. É assente neste
Tribunal Superior o entendimento segundo o qual, tratando-se de crime de
estupro praticado com emprego de violência real, a ação penal é pública
incondicionada, sendo o parquet o ente legitimado para a sua promoção, a teor
do enunciado da Súmula 608/STF. 2. In casu, irrelevante o fato de o
representante da ofendida ter apresentado retratação à representação
anteriormente oferecida a fim de impedir o oferecimento da denúncia, haja vista
a natureza pública incondicionada da ação penal. 3. Recurso especial a que se
dá provimento. (STJ, 5.ᵃ T., REsp 997.640/MG, rel. Min. Jorge Mussi, j.
19/08/2010, DJe 06/09/2010)
Continua vigorando a Súmula 608 do
Supremo Tribunal Federal, que declara que o crime de estupro com violência real
a ação penal é pública incondicionada. Desta forma e mais recentemente:
RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. DELITO PRATICADO MEDIANTE VIOLÊNCIA REAL.
SÚMULA 608 DO STF. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. REPRESENTAÇÃO QUE
DISPENSA FORMALIDADES. RECURSO NÃO PROVIDO.1. Nos delitos em que há violência
real, a ação penal continua sendo pública incondicionada (a despeito do
disposto no atual art. 225 do
Código Penal),
dispensada a representação da vítima, razão pela qual não há que se falar em
decadência do direito de ação, nos termos da Súmula n. 608 do STF. 2. Doutrina
e jurisprudência são uniformes no sentido de que a representação prescinde de
qualquer formalidade, sendo suficiente a demonstração do interesse da vítima em
autorizar a persecução criminal. 3. Assim, ainda que se entenda ser a ação, na
espécie, pública condicionada à representação, esta se aperfeiçoou com o
comparecimento espontâneo da vítima à Delegacia de Polícia, onde relatou o
ocorrido, identificou o agressor e se submeteu a exame pericial, dando mostras
inequívocas de que era seu desejo ver o perpetrador do estupro processado e
punido. 4. Recurso especial não provido. (REsp 1485352/DF, Rel. Ministro
ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 16/12/2014)
Legitimidade do Ministério Público
nos crimes sexuais: o Ministério Público possui legitimidade para promover a ação penal
quando vítima ou seus pais não puderem prover as despesas do processo, sem
prejuízo da manutenção própria ou da família (art. 225, § 2.º,
do Código Penal, com
redação anterior a Lei 12.015/2009).
Estupro e atentado violento ao pudor
e aplicação da pena: O entendimento do Supremo Tribunal Federal pacificou-se
quanto a ser absoluta a presunção de violência nos casos de estupro contra
menor de catorze anos nos crimes cometidos antes da vigência da Lei 12.015/09, a obstar a
pretensa relativização da violência presumida. Não é possível qualificar a
manutenção de relação sexual com criança de dez anos de idade como algo
diferente de estupro ou entender que não seria inerente a ato da espécie a
violência ou a ameaça por parte do algoz. O aumento da pena devido à
continuidade delitiva varia conforme o número de delitos. Na espécie,
consignado nas instâncias ordinárias terem os crimes sido cometidos diariamente
ao longo de quase dois anos, autorizada a majoração máxima. (HC 105558, Relator
(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 22/05/2012, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG 11-06-2012 PUBLIC 12-06-2012) Desta forma leva-se em
conta o cúmulo formal ou material para aplicação da pena, quando existe a
continuidade delitiva.
Estupro e atentado ao pudor em
continuidade delitiva: antes da entrada em vigor da Lei 12.015/09, que mudou o
tratamento dos crimes sexuais no Código Penal, as
condutas de atentado violento ao pudor e de estupro, não se admitia a
continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor. Contudo,
após o julgamento, a Lei 12.015/2009, editada em 07
de agosto de 2009, alterou substancialmente a disciplina dos crimes pelos quais
o acionante foi condenado (arts. 213 e
214 do
Código Penal).
Alteração que fez cessar o óbice ao
reconhecimento da continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento
ao pudor, cometidos antes da vigência da Lei 12.015/2009. (HC 99544,
Relator (a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 26/10/2010, DJe-020
DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-02454-02 PP-00467) A nova lei,
sendo mais benéfica, deve retroagir, para alcançar os fatos passados, uma vez
que reconhece a continuidade delitiva no concurso entre o estupro e o atentado
violento ao pudor.
EMENTA: AÇÃO PENAL. Estupro e atentado violento ao pudor. Mesmas
circunstâncias de tempo, modo e local. Crimes da mesma espécie. Continuidade
delitiva. Reconhecimento. Possibilidade. Superveniência da Lei 12.015/09. Retroatividade
da lei penal mais benéfica. Art. 5.º, XL,
da Constituição
Federal. HC concedido. Concessão de ordem de ofício para fins de
progressão de regime. A edição da Lei 12.015/09 torna possível o
reconhecimento da continuidade delitiva dos antigos delitos de estupro e
atentado violento ao pudor, quando praticados nas mesmas circunstâncias de
tempo, modo e local e contra a mesma vítima. (STF, 2.ᵃ T., HC 86110, rel. Min.
Cezar Peluso, j. 02/03/2010, DJe 22/04/2010)