sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A ação penal nos crimes contra a dignidade sexual


Os crimes sexuais e a dignidade da pessoa humana: 

A Lei 12.015/2009 reformulou quase que integralmente os antigos crimes contra os costumes, agora alçados à crimes contra a dignidade sexual. Rogério Greco assevera que a dignidade sexual é uma das espécies do gênero dignidade da pessoa humana, declarando o ilustre autor que a expressão crimes contra os costumes não traduzia a realidade dos bens juridicamente protegidos pelos tipos penais que se encontravam no Título VI do Código Penal. O foco da proteção já não era mais a forma como as pessoas deveriam se importar sexualmente perante a sociedade do século XXI, mas sim a tutela da sua dignidade sexual. (GRECO, Rogerio. Código penal comentado. São Paulo: Impetus. 2010. P. 579).

Condição de procedibilidade: Antes, os crimes eram, em regra, de ação privada, passando agora, contudo, a depender da representação da vítima. Dispõe, porém o parágrafo único do art. 225 do Código Penal que, sendo a vítima menor de 18 anos ou vulnerável, a ação será pública incondicionada. São consideradas pessoas vulneráveis os menores de 14 anos, os enfermos e deficientes mentais, quando não tiverem discernimento para a prática do ato, bem como aqueles que por qualquer causa não tiverem o necessário discernimento para a prática do ato, e ainda aqueles que por qualquer causa não puderem oferecer resistência à prática sexual. (NUCCI, Guilherme de Souza Nucci. Código Penal Comentado. São Paulo: RT. 2010. P. 927.). De acordo com o STJ:

RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. LESÃO CORPORAL LEVE. VIOLÊNCIA REAL. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. SÚMULA Nº 608/STF. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RETRATAÇÃO DA OFENDIDA. IRRELEVÂNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. É assente neste Tribunal Superior o entendimento segundo o qual, tratando-se de crime de estupro praticado com emprego de violência real, a ação penal é pública incondicionada, sendo o parquet o ente legitimado para a sua promoção, a teor do enunciado da Súmula 608/STF. 2. In casu, irrelevante o fato de o representante da ofendida ter apresentado retratação à representação anteriormente oferecida a fim de impedir o oferecimento da denúncia, haja vista a natureza pública incondicionada da ação penal. 3. Recurso especial a que se dá provimento. (STJ, 5.ᵃ T., REsp 997.640/MG, rel. Min. Jorge Mussi, j. 19/08/2010, DJe 06/09/2010)
Continua vigorando a Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal, que declara que o crime de estupro com violência real a ação penal é pública incondicionada. Desta forma e mais recentemente:
RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. DELITO PRATICADO MEDIANTE VIOLÊNCIA REAL. SÚMULA 608 DO STF. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. REPRESENTAÇÃO QUE DISPENSA FORMALIDADES. RECURSO NÃO PROVIDO.1. Nos delitos em que há violência real, a ação penal continua sendo pública incondicionada (a despeito do disposto no atual art. 225 do Código Penal), dispensada a representação da vítima, razão pela qual não há que se falar em decadência do direito de ação, nos termos da Súmula n. 608 do STF. 2. Doutrina e jurisprudência são uniformes no sentido de que a representação prescinde de qualquer formalidade, sendo suficiente a demonstração do interesse da vítima em autorizar a persecução criminal. 3. Assim, ainda que se entenda ser a ação, na espécie, pública condicionada à representação, esta se aperfeiçoou com o comparecimento espontâneo da vítima à Delegacia de Polícia, onde relatou o ocorrido, identificou o agressor e se submeteu a exame pericial, dando mostras inequívocas de que era seu desejo ver o perpetrador do estupro processado e punido. 4. Recurso especial não provido. (REsp 1485352/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 16/12/2014)

Legitimidade do Ministério Público nos crimes sexuais: o Ministério Público possui legitimidade para promover a ação penal quando vítima ou seus pais não puderem prover as despesas do processo, sem prejuízo da manutenção própria ou da família (art. 225, § 2.º, do Código Penal, com redação anterior a Lei 12.015/2009).

Estupro e atentado violento ao pudor e aplicação da pena: O entendimento do Supremo Tribunal Federal pacificou-se quanto a ser absoluta a presunção de violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos nos crimes cometidos antes da vigência da Lei 12.015/09, a obstar a pretensa relativização da violência presumida. Não é possível qualificar a manutenção de relação sexual com criança de dez anos de idade como algo diferente de estupro ou entender que não seria inerente a ato da espécie a violência ou a ameaça por parte do algoz. O aumento da pena devido à continuidade delitiva varia conforme o número de delitos. Na espécie, consignado nas instâncias ordinárias terem os crimes sido cometidos diariamente ao longo de quase dois anos, autorizada a majoração máxima. (HC 105558, Relator (a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 22/05/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG 11-06-2012 PUBLIC 12-06-2012) Desta forma leva-se em conta o cúmulo formal ou material para aplicação da pena, quando existe a continuidade delitiva.

Estupro e atentado ao pudor em continuidade delitiva: antes da entrada em vigor da Lei 12.015/09, que mudou o tratamento dos crimes sexuais no Código Penal, as condutas de atentado violento ao pudor e de estupro, não se admitia a continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor. Contudo, após o julgamento, a Lei 12.015/2009, editada em 07 de agosto de 2009, alterou substancialmente a disciplina dos crimes pelos quais o acionante foi condenado (arts. 213 e 214 do Código Penal).

Alteração que fez cessar o óbice ao reconhecimento da continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor, cometidos antes da vigência da Lei 12.015/2009. (HC 99544, Relator (a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 26/10/2010, DJe-020 DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-02454-02 PP-00467) A nova lei, sendo mais benéfica, deve retroagir, para alcançar os fatos passados, uma vez que reconhece a continuidade delitiva no concurso entre o estupro e o atentado violento ao pudor.


EMENTA: AÇÃO PENAL. Estupro e atentado violento ao pudor. Mesmas circunstâncias de tempo, modo e local. Crimes da mesma espécie. Continuidade delitiva. Reconhecimento. Possibilidade. Superveniência da Lei 12.015/09. Retroatividade da lei penal mais benéfica. Art. 5.º, XL, da Constituição Federal. HC concedido. Concessão de ordem de ofício para fins de progressão de regime. A edição da Lei 12.015/09 torna possível o reconhecimento da continuidade delitiva dos antigos delitos de estupro e atentado violento ao pudor, quando praticados nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e local e contra a mesma vítima. (STF, 2.ᵃ T., HC 86110, rel. Min. Cezar Peluso, j. 02/03/2010, DJe 22/04/2010)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Novo Código Penal


Novo Código Penal será mais severo na punição a empresas e executivos

O maior rigor na punição de crimes cometidos por empresas e executivos é uma das marcas do Projeto de Lei do Senado 236, de 2012. O texto, que reforma o Código Penal, pode ser votado este ano.

Já aprovado por comissão especial do Senado, o projeto seria votado em dezembro do ano passado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa, antes de ir ao plenário. Mas os senadores pediram mais tempo para avaliar emendas.

Apesar de o código tratar de crimes de todo tipo, como homicídio ou roubo, há mudanças importantes no âmbito empresarial. "A grande novidade", segundo o especialista do Martinelli Advocacia Empresarial, Eduardo Antonio da Silva, é que as empresas (pessoas jurídicas) podem ser punidas por crimes contra a ordem econômico-financeira.

Nessa classificação entram crimes de sonegação fiscal e previdenciária, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, formação de cartel, concorrência desleal, entre outros. "Antes, só era possível punir a empresa por crime ambiental. Não havia tal legislação contra pessoa jurídica", diz.

O advogado conta que o raciocínio do novo Código Penal é muito parecido com o da Lei Anticorrupção (Lei 12.846, de 2014), que inovou ao estabelecer punição de até 20% para a empresa envolvida em corrupção. "Mas o novo código traz um rol muito maior de crimes. São atos que não são contemplados na Lei Anticorrupção", diz.

As sanções previstas incluem perda de direitos - como o de participar de licitação -, multa e até prestação de serviços à comunidade. Em alguns casos, a companhia pode ser até obrigada a levar o fato a conhecimento público.

Pessoa física.

Na punição das pessoas físicas envolvidas, também há um conjunto de novidades. O projeto aumenta, por exemplo, a pena mínima do crime de corrupção de dois para quatro anos. Além disso, classifica o delito como um crime hediondo. Isso impede que o infrator escape do regime fechado no começo da pena.

Nesse ponto, começam a surgir divergências. Na avaliação do criminalista e mestre em Direito Penal, Euro Bento Maciel Filho, o aumento da pena do crime de corrupção "é uma grande desnecessidade". Para ele, já há flexibilidade suficiente no intervalo previsto pela lei atual. Hoje, a punição varia de dois a 12 anos.

Na avaliação dele, aumentar a pena mínima para quatro anos é punir com "extremo rigor" atos de corrupção que nem sempre são idênticos. "Uma coisa é pagar R$ 50 a um guarda de trânsito para escapar da multa rodoviária. Outra é lesar a Petrobras em bilhões. Não se pode colocar todo mundo no mesmo balaio", diz.

Maciel Filho também avalia que é um erro tornar a corrupção um crime hediondo. As principais diferenças seriam que o crime se torna inafiançável, o início da pena se dá em regime fechado, e que não cabe indulto (perdão de parte da pena). Hoje, estão entre os crimes hediondos o estupro, o roubo seguido de morte (latrocínio), e o homicídio qualificado (com intenção de matar).

Para Silva, por outro lado, as mudanças são acertadas. Questionado se concordava com as mudanças, ele respondeu que "é favorável ao cumprimento de uma pena". Na prática, segundo ele, os infratores em muitos casos acabam não sendo punidos. "Com esse novo código, o empresário vai pensar duas ou três vezes [antes de cometer infração]".

Erros

Na avaliação da sócia do Costa, Coelho Araújo e Zaclis, a advogada Marina Coelho Araújo apesar de "parecer haver vontade política de melhorar o código", o atual projeto "não está maduro para virar lei".

Isto porque haveria uma série de mudanças conceituais. Ela diz que foram alteradas as definições, por exemplo, do que é crime, do que é crime doloso (com intenção) e culposo (sem intenção).

Marina observa que "há graves erros e dissonâncias" na parte geral do código. "Nossas regras de hoje são regras boas. O que precisamos mexer um pouco é na questão da pena. Mas mudar do que temos hoje [para o novo código] seria retrocesso", afirma ela.

As mudanças necessárias estariam na parte especial do código, que trata individualmente de cada crime. "Minha esperança haja período de maturação maior ao código", afirma a especialista.
Roberto Dumke