sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Entrada da Polícia Em Domicílio Sem Autorização Judicial

STF define limites para entrada da polícia em domicílio sem autorização judicial
                                                                   
 
                               
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) conclui, na sessão desta quinta-feira (5), o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 603616, com repercussão geral reconhecida, e, por maioria de votos, firmou a tese de que “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados”.

A tese deve ser observada pela demais instâncias do Poder Judiciário e aplicadas aos processos suspensos (sobrestados) que aguardavam tal definição. De acordo com o entendimento firmado, entre os crimes permanentes, para efeito de aplicação da tese, estão o depósito ou porte de drogas, extorsão mediante sequestro e cárcere privado, ou seja, situações que exigem ação imediata da polícia.

O inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal dispõe que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. No recurso que serviu de paradigma para a fixação da tese, um cidadão questionava a legalidade de sua condenação por tráfico de drogas, decorrente da invasão de sua casa por autoridades policiais sem que houvesse mandado judicial de busca e apreensão. Foram encontrados 8,5 kg de cocaína no veículo de sua propriedade, estacionado na garagem. A polícia foi ao local por indicação do motorista de caminhão que foi preso por transportar o restante da droga. De acordo com o entendimento majoritário do Plenário, e nos termos do artigo 33 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), ter entorpecentes em depósito constitui crime permanente, caracterizando, portanto, a condição de flagrante delito a que se refere o dispositivo constitucional.

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a busca e apreensão domiciliar é claramente uma medida invasiva, mas de grande valia para a repressão à prática de crimes e para investigação criminal. O ministro admitiu que ocorrem abusos – tanto na tomada de decisão de entrada forçada quanto na execução da medida – e reconheceu que as comunidades em situação de vulnerabilidade social muitas vezes são vítimas de ingerências arbitrárias por parte de autoridades policiais.

Embora reconheça que o desenvolvimento da jurisprudência sobre o tema ocorrerá caso a caso, o relator afirmou que a fixação da tese é um avanço para a concretização da garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio. “Com ela estar-se-á valorizando a proteção à residência, na medida em que será exigida a justa causa, controlável a posteriori para a busca. No que se refere à segurança jurídica para os agentes da Segurança Pública, ao demonstrarem a justa causa para a medida, os policiais deixam de assumir o risco de cometer o crime de invasão de domicílio, mesmo que a diligência venha a fracassar”, afirmou. O ministro explicou que, eventualmente, o juiz poderá considerar que a invasão do domicílio não foi justificada em elementos suficientes, mas isso não poderá gerar a responsabilização do policial, salvo em caso de abuso.

Dessa forma, o relator votou pelo desprovimento do recurso interposto pelo condenado contra acordão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJ-RO).

Divergência

O ministro Marco Aurélio divergiu do relator para dar provimento ao recuso e absolver o condenado, por entender não caraterizado o crime permanente, e também por discordar da tese. “O crime teve exaurimento quando um dos corréus foi surpreendido conduzindo o veículo e portando a droga. Não se trata de crime permanente”, entendeu o ministro.

“O que receio muito é que, a partir de uma simples suposição, se coloque em segundo plano uma garantia constitucional, que é a inviolabilidade do domicílio", afirmou. "O próprio juiz só pode determinar a busca e apreensão durante o dia, mas o policial então pode – a partir da capacidade intuitiva que tenha ou de uma indicação –, ao invés de recorrer à autoridade judiciária, simplesmente arrombar a casa?”, indagou.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Competência Para Julgamento de Postagem de Pornografia Infantil


Plenário aprova tese sobre competência para julgamento de publicação de pornografia infantil na internet
Na sessão desta quinta-feira (29), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou o enunciado da tese firmada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 628624, quando os ministros decidiram, por maioria, questão sobre a competência para o julgamento de ação sobre publicação de conteúdo pornográfico infantil na internet. O tema teve repercussão geral reconhecida e atinge 16 casos sobrestados.
O ministro Edson Fachin, que proferiu voto divergente acompanhado pela maioria dos ministros, sugeriu a seguinte tese aprovada pelo Plenário: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente [artigos 241, 241-A e 241-B da Lei 8.069/1990] quando praticados por meio da rede mundial de computadores”.

Júri absolve homem que matou irmão tetraplégico a tiros a pedido da vítima


Homicídio planejado aconteceu em Rio Claro (SP) em outubro de 2011. Geraldo Rodrigues de Oliveira pediu ao irmão para simular um assalto.

O júri popular de Rio Claro (SP) absolveu Roberto Rodrigues de Oliveira nesta terça-feira (27), acusado de matar o irmão tetraplégico a tiros em 2011. A vítima, inconformada com a sua condição, pediu para morrer em uma simulação de assalto. O irmão foi detido três dias após o crime, mas logo foi solto e desde então respondia em liberdade por homicídio doloso, quando há a intenção de matar.

O advogado de defesa, Edmundo Canavezzi, disse que já esperava pela sentença favorável. “Roberto foi perdoado pela família e esse peso ele vai carregar pelo resto da vida. Os jurados acolheram a minha tese de que não se poderia esperar dele outra atitude senão àquela a qual ele adotou”, disse o defensor.

O julgamento começou por volta das 9h30. Sete jurados participaram do júri. “Não dá para saber se a decisão foi unânime porque pela atual legislação processual penal quando se atinge o numero de quatro votos o juiz encerra a votação”, explicou Canavezzi.

O homicídio aconteceu em outubro de 2011 no bairro Jardim Novo 1. Durante as investigações, a polícia descobriu que Geraldo pediu a Roberto que planejasse um meio de matá-lo, simulando um assalto. Um sobrinho adolescente que morava com a vítima seria a única testemunha.

Após o crime, o sobrinho relatou em depoimento que Roberto invadiu a casa encapuzado e atirou contra Geraldo, que foi atingido no ombro e no pescoço. Ele ainda roubou R$ 800 para que a polícia acreditasse em assalto. Em meio às investigações, o jovem mudou a versão e relatou que tudo tinha sido combinado entre eles.

Sequência de tragédias

O advogado avaliou o caso como uma sequência de tragédias. Geraldo era casado e tinha um filho paraplégico, situação que ele não aceitava. Quando a criança tinha 8 anos, o pai sofreu um grave acidente que o deixou tetraplégico, em 2009. No mesmo ano, outro irmão dele morreu em um acidente. “Ele não se conformava e entendia que ele era quem deveria ter morrido, então começou a pensar seriamente em se matar”, contou o advogado.

Geraldo pediu para a mulher sair de casa e quando ela se foi com o filho ele passou a ser cuidado por Roberto. A partir daí a vítima passou a exigir que o irmão o matasse. Roberto, por sua vez, não suportava ver o irmão naquela situação. Ele tinha problemas físicos graves, sentia dor ao passar a sonda para poder urinar e também estava deprimido, prisioneiro do próprio corpo.

“Geraldo, Roberto e o sobrinho planejaram a morte. É uma situação bastante intensa em que você tem fundamentalmente um individuo muito pressionado e coagido pelas circunstâncias, que não tinha outra alternativa senão cumprir como designo do irmão”, disse o advogado.

Após o crime, a polícia pediu a prisão temporária de Roberto. Pouco tempo depois ele foi solto para responder pelo crime em liberdade.

Fonte: G1


sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Advogado é preso no lugar de cliente e vira alvo de piada feita por juíza


Advogado é preso no lugar de cliente e vira alvo de piada feita por juíza

Um mandado de prisão emitido com o nome errado fez com que um advogado de Indaiatuba, no interior de SP, fosse preso no lugar do cliente dele.

Segundo a OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo), dias depois, o defensor ainda foi vítima de um comentário malicioso da juíza durante uma audiência.

Segundo o presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB SP, Ricardo Toledo Santos Filho, o documento, emitido pela 1ª Vara Cível da cidade, foi entregue à polícia, que cumpriu a “ordem”. Mas, o defensor, que não quer ter o nome revelado, percebeu que era o cliente que deveria ir para a cadeia e não ele.

— Ele se rebelou, naturalmente. A ordem era indevida, era ilegal. Ele tentou argumentar, pediu para ligarem na vara. A polícia usou de truculência e o levou à delegacia. Lá, ele acionou os colegas que foram sanar esse erro. Ele ficou quatro horas preso enquanto isso.

Se não bastasse, em uma audiência na mesma vara, a juíza teria feito um comentário malicioso, segundo Santos.

— Alguns dias depois, uma autoridade do fórum fez chacota desse fato. Falou, “foi só um advogado preso? Deveria ter sido a classe toda”.

A OAB-SP apura os fatos. Até o momento, não há explicação para o mandado de prisão emitido em nome do advogado e não do réu. Pessoas que estavam na audiência também estão sendo ouvidas pela comissão da Ordem para comprovar a “piada” da magistrada.

— Isso aí não pode acontecer. O erro está caracterizado. Agora, a gente está averiguando se houve uma intenção deliberada de prejudicar o advogado, para ver se teve alguma situação de retaliação, por exemplo.

Com relação aos comentários, nós não aceitamos isso de jeito nenhum. O autor dessa afirmação jocosa, irônica e ofensiva a uma classe vai responder sim pelos danos morais, e na esfera criminal e disciplinar.

Por meio da assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo, a juíza disse que no mesmo dia em que o advogado foi preso, comunicou o erro à Corregedoria-Geral de Justiça. Um procedimento foi instaurado para apurar o fato. Sobre as supostas declarações, a magistrada nega que tenha feito qualquer comentário ofensivo à categoria.

Advogado é preso no lugar de cliente e vira alvo de piada feita por juíza

Um mandado de prisão emitido com o nome errado fez com que um advogado de Indaiatuba, no interior de SP, fosse preso no lugar do cliente dele.


Segundo a OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo), dias depois, o defensor ainda foi vítima de um comentário malicioso da juíza durante uma audiência.

Segundo o presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB SP, Ricardo Toledo Santos Filho, o documento, emitido pela 1ª Vara Cível da cidade, foi entregue à polícia, que cumpriu a “ordem”. Mas, o defensor, que não quer ter o nome revelado, percebeu que era o cliente que deveria ir para a cadeia e não ele.

— Ele se rebelou, naturalmente. A ordem era indevida, era ilegal. Ele tentou argumentar, pediu para ligarem na vara. A polícia usou de truculência e o levou à delegacia. Lá, ele acionou os colegas que foram sanar esse erro. Ele ficou quatro horas preso enquanto isso.

Se não bastasse, em uma audiência na mesma vara, a juíza teria feito um comentário malicioso, segundo Santos.

— Alguns dias depois, uma autoridade do fórum fez chacota desse fato. Falou, “foi só um advogado preso? Deveria ter sido a classe toda”.

A OAB-SP apura os fatos. Até o momento, não há explicação para o mandado de prisão emitido em nome do advogado e não do réu. Pessoas que estavam na audiência também estão sendo ouvidas pela comissão da Ordem para comprovar a “piada” da magistrada.

— Isso aí não pode acontecer. O erro está caracterizado. Agora, a gente está averiguando se houve uma intenção deliberada de prejudicar o advogado, para ver se teve alguma situação de retaliação, por exemplo.

Com relação aos comentários, nós não aceitamos isso de jeito nenhum. O autor dessa afirmação jocosa, irônica e ofensiva a uma classe vai responder sim pelos danos morais, e na esfera criminal e disciplinar.

Por meio da assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo, a juíza disse que no mesmo dia em que o advogado foi preso, comunicou o erro à Corregedoria-Geral de Justiça. Um procedimento foi instaurado para apurar o fato. Sobre as supostas declarações, a magistrada nega que tenha feito qualquer comentário ofensivo à categoria.

domingo, 16 de agosto de 2015

STF dirá que “usuário” de drogas não é criminoso?

Publicado por Luiz Flávio Gomes

O “usuário” de drogas (quem porta drogas para uso pessoal privado) pratica uma conduta normalmente maligna para ele mesmo, mas não comete nenhum crime. Basta entender que crime constitui uma ofensa (lesão ou perigo real ou concreto de lesão) a bens (jurídicos) de terceiras pessoas. Isso se chama “princípio da alteridade” (que significa ofensa ao outro ou aos outros, isto é, a terceiros). O “usuário” de drogas (enquanto se limita a isso) danifica sua própria saúde (em maior ou menor grau, conforme a droga e sua quantidade), não a saúde física de terceiras pessoas. Ao STF não compete dizer quem é traficante ou usuário. Isso é problema do legislador. O STF deve decidir se o usuário é ou não um criminoso. Se o problema é de saúde privada e pública ou se é uma questão de polícia e Justiça.
A questão central é a seguinte: terá coragem a Máxima Corte de enfrentar as “massas rebeladas ultraconservadoras” e tomar mais uma decisão contramajoritária (como fez com a “união homoafetiva”, células-tronco, aborto anencefálico, marcha da maconha, inconstitucionalidade do regime fechado nos crimes hediondos, penas alternativas no tráfico etc.)? Eis a questão. Julgará com a emoção – de acordo com a emotividade reinante na nossa pungente oclocracia, que é a democracia das massas – ou com a razão?

Seguirá os exemplos dos países mais consequentes no assunto (praticamente toda Europa, incluindo Portugal, Espanha, Holanda etc.), que encaram o “usuário” de drogas (tanto quanto o alcoólatra, enquanto não pratica nenhum crime) como um problema de saúde pública e privada? Ou se dobrará ao populismo punitivo irracional norte-americano de 1971 (quando Richard Nixon declarou “guerra às drogas”, desencadeando uma das políticas públicas mais ineficazes e mais desastradas de toda história da humanidade)?

Nos Estados democráticos de Direito (esse é o modelo organizacional escolhido pela nossa Constituição, ao menos no papel), o Estado não tem o direito de usar o direito penal (de ultima ratio) para corrigir moralmente os humanos “considerados” erráticos (se é que isso fosse possível). Não existe razoabilidade em usar o poder punitivo estatal mais pesado contra quem faz uso da sua liberdade para fumar, beber imoderadamente, ingerir açúcar, sal ou gorduras em excesso, tomar remédios sem prescrição médica, usar a internet de forma vulgar, não ler um livro sequer (instrutivo) durante o ano todo, urinar fora do vaso sanitário, praticar sexo para fins não reprodutivos, não usar (incorretamente) camisinha etc., seguindo a lógica do Código Penal de 1940, previa pena de prisão para o portador de drogas para uso pessoal. A Lei dos Juizados Criminais (1995) permitiu aplicar penas alternativas no lugar da prisão. A Lei 10.409/2002 evoluiu para tratar o usuário como não criminoso. Com a atual Lei de drogas (11.343/2006) a situação ficou confusa: aboliu-se a pena de prisão para o usuário, mas é muito frágil (e demasiadamente subjetiva) a distinção entre o traficante e o usuário. Daí os abusos constantes (e a superlotação carcerária, muito acima do crescimento populacional do País).

Essa vem sendo a brecha encontrada (na lei) pelo poder punitivo para mandar para a cadeia milhares de usuários pobres ou marginalizados, como se fossem traficantes (houve aumento de 339% nessas prisões desde 2006).

O Instituto Sou da Paz diz que o chamado “pequeno traficante”, quando é levado para a cadeia, não deixa de ser “traficante”, mas perde sua qualidade de “pequeno”, porque entra em contato com o grande tráfico que domina os presídios (veja o livro de Camila Dias). De outro lado, portadores de drogas de classe média ou alta praticamente não são importunados pela polícia (territórios inacessíveis). Pelo menos como juiz de direito que fui (durante 15 anos) eu só recebia processos sobre drogas contra pobres. Quando excepcionalmente alguém com “status” é surpreendido, raramente é enfocado como traficante. É um truísmo afirmar que o direito penal não é aplicado de forma igual para todos. Dos quase 200 mil presos por “tráfico” no Brasil, nota-se a ausência dos grandes traficantes (com raras exceções, como Fernandinho Beira-Mar).

Uma última observação: descriminalizar o “usuário” é retirá-lo do campo penal. É dizer que o usuário não é um criminoso. Mas a droga, nesse caso, continua ilícita. Hoje existem três posicionamentos sobre o tema: (a) do próprio STF que diz que o usuário é criminoso; (b) posição intermediária minha no sentido de que a posse de drogas para uso próprio seria um ilícito penal sui generis (hoje já não penso dessa maneira) e (c) o pensamento de Alice Bianchini no sentido de que já houve a descriminalização (veja nosso livro Lei de Drogas). Sigo hoje esta última tese (pelos motivos acima alinhados). Não é porque somos um país periférico que não podemos copiar as boas políticas públicas difundidas pelo mundo afora mais evoluído (e menos reacionário).

O pensamento aparentemente anárquico (vindo, dentre outros, de Stuart Mill e da prestigiada revista The Economist) sustenta que todas as drogas deveriam ser legalizadas, salvo quando envolve menores. Isso é o que fez o Uruguai e cinco Estados dos EUA em relação à maconha. Quanto aos maiores de idade, que cada um cuide da sua liberdade com a devida responsabilidade (tal como cada um faz com o álcool, com o cigarro, com o açúcar, com o sal, com as gorduras, com os remédios, com o sexo, com o uso vulgar da internet, com o uso dos carros etc.).

Em pleno século XXI não podemos nos comportar como os trogloditas de Montesquieu (Cartas Persas) que, sentindo o peso da ética e da moral, preferiram não se autogovernarem e se submeterem aos juízes e às leis. Sempre que queremos fugir das nossas responsabilidades éticas, civis e cidadãs (frente ao uso das drogas, do álcool, do fumo, do açúcar, do carro, das vias públicas etc.) abominamos o autocontrole em favor das normas e do controle estatal (confiando, claro, na impunidade, mesmo quando somos pilhados nos nossos deslizes éticos, morais e cidadãos).

Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas]


STF dirá que “usuário” de drogas não é criminoso?

Publicado por Luiz Flávio Gomes

O “usuário” de drogas (quem porta drogas para uso pessoal privado) pratica uma conduta normalmente maligna para ele mesmo, mas não comete nenhum crime. Basta entender que crime constitui uma ofensa (lesão ou perigo real ou concreto de lesão) a bens (jurídicos) de terceiras pessoas. Isso se chama “princípio da alteridade” (que significa ofensa ao outro ou aos outros, isto é, a terceiros). O “usuário” de drogas (enquanto se limita a isso) danifica sua própria saúde (em maior ou menor grau, conforme a droga e sua quantidade), não a saúde física de terceiras pessoas. Ao STF não compete dizer quem é traficante ou usuário. Isso é problema do legislador. O STF deve decidir se o usuário é ou não um criminoso. Se o problema é de saúde privada e pública ou se é uma questão de polícia e Justiça.

A questão central é a seguinte: terá coragem a Máxima Corte de enfrentar as “massas rebeladas ultraconservadoras” e tomar mais uma decisão contramajoritária (como fez com a “união homoafetiva”, células-tronco, aborto anencefálico, marcha da maconha, inconstitucionalidade do regime fechado nos crimes hediondos, penas alternativas no tráfico etc.)? Eis a questão. Julgará com a emoção – de acordo com a emotividade reinante na nossa pungente oclocracia, que é a democracia das massas – ou com a razão?

Seguirá os exemplos dos países mais consequentes no assunto (praticamente toda Europa, incluindo Portugal, Espanha, Holanda etc.), que encaram o “usuário” de drogas (tanto quanto o alcoólatra, enquanto não pratica nenhum crime) como um problema de saúde pública e privada? Ou se dobrará ao populismo punitivo irracional norte-americano de 1971 (quando Richard Nixon declarou “guerra às drogas”, desencadeando uma das políticas públicas mais ineficazes e mais desastradas de toda história da humanidade)?

Nos Estados democráticos de Direito (esse é o modelo organizacional escolhido pela nossa Constituição, ao menos no papel), o Estado não tem o direito de usar o direito penal (de ultima ratio) para corrigir moralmente os humanos “considerados” erráticos (se é que isso fosse possível). Não existe razoabilidade em usar o poder punitivo estatal mais pesado contra quem faz uso da sua liberdade para fumar, beber imoderadamente, ingerir açúcar, sal ou gorduras em excesso, tomar remédios sem prescrição médica, usar a internet de forma vulgar, não ler um livro sequer (instrutivo) durante o ano todo, urinar fora do vaso sanitário, praticar sexo para fins não reprodutivos, não usar (incorretamente) camisinha etc., seguindo a lógica do Código Penal de 1940, previa pena de prisão para o portador de drogas para uso pessoal. A Lei dos Juizados Criminais (1995) permitiu aplicar penas alternativas no lugar da prisão. A Lei 10.409/2002 evoluiu para tratar o usuário como não criminoso. Com a atual Lei de drogas (11.343/2006) a situação ficou confusa: aboliu-se a pena de prisão para o usuário, mas é muito frágil (e demasiadamente subjetiva) a distinção entre o traficante e o usuário. Daí os abusos constantes (e a superlotação carcerária, muito acima do crescimento populacional do País).

Essa vem sendo a brecha encontrada (na lei) pelo poder punitivo para mandar para a cadeia milhares de usuários pobres ou marginalizados, como se fossem traficantes (houve aumento de 339% nessas prisões desde 2006).

O Instituto Sou da Paz diz que o chamado “pequeno traficante”, quando é levado para a cadeia, não deixa de ser “traficante”, mas perde sua qualidade de “pequeno”, porque entra em contato com o grande tráfico que domina os presídios (veja o livro de Camila Dias). De outro lado, portadores de drogas de classe média ou alta praticamente não são importunados pela polícia (territórios inacessíveis). Pelo menos como juiz de direito que fui (durante 15 anos) eu só recebia processos sobre drogas contra pobres.

Quando excepcionalmente alguém com “status” é surpreendido, raramente é enfocado como traficante. É um truísmo afirmar que o direito penal não é aplicado de forma igual para todos. Dos quase 200 mil presos por “tráfico” no Brasil, nota-se a ausência dos grandes traficantes (com raras exceções, como Fernandinho Beira-Mar).

Uma última observação: descriminalizar o “usuário” é retirá-lo do campo penal. É dizer que o usuário não é um criminoso. Mas a droga, nesse caso, continua ilícita. Hoje existem três posicionamentos sobre o tema: (a) do próprio STF que diz que o usuário é criminoso; (b) posição intermediária minha no sentido de que a posse de drogas para uso próprio seria um ilícito penal sui generis (hoje já não penso dessa maneira) e (c) o pensamento de Alice Bianchini no sentido de que já houve a descriminalização (veja nosso livro Lei de Drogas). Sigo hoje esta última tese (pelos motivos acima alinhados). Não é porque somos um país periférico que não podemos copiar as boas políticas públicas difundidas pelo mundo afora mais evoluído (e menos reacionário).

O pensamento aparentemente anárquico (vindo, dentre outros, de Stuart Mill e da prestigiada revista The Economist) sustenta que todas as drogas deveriam ser legalizadas, salvo quando envolve menores. Isso é o que fez o Uruguai e cinco Estados dos EUA em relação à maconha. Quanto aos maiores de idade, que cada um cuide da sua liberdade com a devida responsabilidade (tal como cada um faz com o álcool, com o cigarro, com o açúcar, com o sal, com as gorduras, com os remédios, com o sexo, com o uso vulgar da internet, com o uso dos carros etc.).

Em pleno século XXI não podemos nos comportar como os trogloditas de Montesquieu (Cartas Persas) que, sentindo o peso da ética e da moral, preferiram não se autogovernarem e se submeterem aos juízes e às leis. Sempre que queremos fugir das nossas responsabilidades éticas, civis e cidadãs (frente ao uso das drogas, do álcool, do fumo, do açúcar, do carro, das vias públicas etc.) abominamos o autocontrole em favor das normas e do controle estatal (confiando, claro, na impunidade, mesmo quando somos pilhados nos nossos deslizes éticos, morais e cidadãos).

Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas]


quarta-feira, 15 de julho de 2015

Constrangimento Ilegal

Intimar Pai De Denunciado Para Depor Como Testemunha Não Configura Constrangimento Ilegal

A 4ª Turma do TRF da 1ª Região negou pedido de habeas corpus impetrado contra ato da 2ª Vara Federal da Bahia que, nos autos de ação penal, teria intimado para prestar depoimento, na qualidade de testemunha, um dos sócios de uma empresa, onde os fatos teriam sido praticados pelo denunciado, outro sócio da empresa.

No pedido, o impetrante sustenta que estaria sofrendo constrangimento ilegal, na medida em que foi arrolado como testemunha em um processo cuja acusação se dirige a outro sócio, seu filho, circunstância que o eximiria de prestar depoimento, conforme dispõe o artigo 206 do Código de Processo Penal (CPP).

O relator, juiz federal convocado Marcus Vinicius Reis Bastos, rejeitou as alegações apresentadas pelo impetrante. Em seu voto, o magistrado destacou que, nos termos do artigo 206 do CPP, “a testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se de fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão ou pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias”.

Nesse sentido, “intimar uma das pessoas elencadas no art. 206 do CPP para depor não configura, por si só, constrangimento ilegal, pois a lei faculta ao intimado não prestar depoimento. Nada impede que, diante do magistrado, o pai do denunciado, como ocorre no caso, exponha a sua dificuldade de depor ou mesmo se recuse a fazê-lo, como faculta a lei”, esclareceu o relator.

A decisão foi unânime.
Processo nº 0073480-55.2014.4.01.0000/BA

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Traição a serviço da ‘Justiça’

Delação, chave de entrada e chave de saída da cadeia.

O título deste texto, que também poderia denominar-se Traição a serviço da ‘Justiça’, reflete, alegoricamente, o real significado da delação premiada, um instituto ligado, na verdade, ao aprisionamento sem culpa e a uma distorcida ideia de Justiça, e não ao escopo declarado em lei, qual seja o de constituir um instrumento para o esclarecimento da verdade real sobre o crime e seus autores. A primeira objeção a ser posta diante do instituto da delação premiada se refere à insegurança jurídica que é por ele gerada.

O acusado preso sofre um rebaixamento no seu senso ético e moral, sendo atingidas as noções do certo e do errado, do justo e do injusto, do bem e do mal. Fragilizado, o colaborador fica sujeito a qualquer tipo de estímulo para ver minimizado o sofrimento imposto pela sua estada no cárcere. E atualmente a delação premiada, incentivada pelas autoridades, se apresenta como o mais viável meio de alcance da liberdade.

O encarcerado, com apoio na verdade ou falseando-a, passa a acusar companheiros de empreitada criminosa e a narrar situações ilícitas até então desconhecidas. É obvio que a sua conduta não é inspirada por motivos ligados ao civismo, à cidadania, ao interesse público ou a quaisquer outros nobres sentimentos. Seu interesse imediato é alcançar a liberdade, bem como benefícios outros que vão desde o perdão judicial até a diminuição da pena e o menor rigor em seu cumprimento.

Lembre-se de que, em face desses motivos meramente utilitários, egoísticos, a delação poderá atingir pessoas inocentes ou mesmo aquelas que, embora participantes do crime, tenham uma responsabilidade menor do que a apontada. Lamentavelmente, este injustificável efeito da colaboração premiada vem ocorrendo nos nossos dias e provoca evidente insegurança jurídica no que diz respeito à justiça penal.

De acordo com a Lei 12.850/13, sobre organização criminosa, que editou normas específicas e mais abrangentes a respeito de colaboração, existem duas condicionantes para que a colaboração tenha validade jurídica: a efetividade das denúncias e a voluntariedade na opção do delator. Quanto à efetividade, o legislador pretende que o conteúdo da delação produza efeitos concretos para que o crime, os seus outros autores e as suas demais circunstâncias possam ser esclarecidos. Cabe, acerca deste aspecto, uma advertência: a efetividade da colaboração não pode ser avaliada apenas sob o prisma do seu conteúdo, mas é necessária a comprovação da sua veracidade, sem o que não haverá efetividade e legitimidade da própria função jurisdicional, pois não há Justiça Penal sem verdade.

A voluntariedade, segundo requisito da legitimidade da colaboração, tem sido escandalosamente desrespeitada, com a complacência da mídia, da sociedade e – o que é mais grave – de autoridades ligadas à distribuição da Justiça Penal.

A partir da denominada Operação Lava Jato, as prisões preventivas passaram a ser decretadas para obrigar o acusado a delatar para obter a liberdade. Assim, prende-se para delatar e se solta porque se delatou.

Note-se que o escopo exclusivo da prisão é rigorosamente a delação. A custódia é decretada sem o exame de sua necessidade.

Deve ser realçado, ainda, que a necessidade constitui requisito fundamental para que a prisão antecipada se legitime perante a Constituição federal, em face do princípio da presunção de inocência, que proíbe a aplicação de pena até o trânsito em julgado da decisão respectiva, salvo em casos excepcionais de comprovada necessidade.

Prisão para forçar a delação é uma medida cruel, verdadeira tortura, de nefastas consequências. Portanto, quem delata porque está preso não age voluntariamente. Estivesse em liberdade, sem pressão ou coação, a sua opção seria voluntária e merecedora de credibilidade. Encarcerado, porém, a sua palavra estará sempre sob suspeita.

O ético e juridicamente correto seria que a lei só desse valor à palavra do delator que estivesse fora da prisão e proibisse a delação daquele que se encontra encarcerado.

Como afirmou, com a propriedade de sempre, o advogado Arnaldo Malheiros Filho, ao comentar uma delação feita nos Estados Unidos que atingiu uma pessoa inocente e isentou o delator homicida de maiores consequências penais, “quem pode comprar a liberdade com a palavra dirá a palavra que quiserem ouvir”.

É preciso salientar que a delação premiada, tal como vem sendo implementada no processo brasileiro, representa a derrogação de princípios basilares da nossa jurisdição penal, a começar pelo próprio afastamento da jurisdição na aplicação da sanção penal.

Uma vez fixados os termos do acordo entre acusador e acusado, incluindo a pena e seu cumprimento, o juiz terá papel meramente homologatório. O advogado, por sua vez, será simples fiscal do acordo, porque diante da delação o direito de defesa se torna dispensável.

Em resumo, estamos diante de aplicação de sanção penal sem processo, este entendido como instrumento de aplicação do Direito Penal, regido pelos princípios do contraditório, da obrigatoriedade da ação penal, da presunção de inocência, do devido processo legal e da ampla defesa, que passam a constituir letra morta, um nada jurídico.

Esse novo método de “descoberta da verdade”, longe de revelá-la, tem provocado injustiças e, como se apontou, uma inconcebível violação de princípios e de postulados constitucionais, cuja inserção em nosso ordenamento jurídico significou uma evolução civilizatória digna de orgulho e envaidecimento, pelo que representou de avanço em prol da democracia e da defesa das liberdades individuais.

Lembre-se que não se faz justiça com o sacrifício da dignidade e da liberdade.

Antônio Cláudio Mariz de Oliveira - Conselheiro honorário do MDA, ex-presidente da OAB-SP e da AASP, foi secretário de Justiça e de Segurança do Estado de São Paulo.

*Artigo publicado originalmente na edição de sábado (20/6) do jornal O Estado de S. Paulo.


quarta-feira, 17 de junho de 2015

Juíza rejeita denúncia por uso de drogas.

Em recente decisão, já transitada em julgado, a magistrada rejeitou denúncia que imputava a conduta de possuir droga para consumo próprio, sob o argumento de atipicidade da conduta

Publicado por Pedro Magalhães Ganem.

Apesar do processo ser público e de ter transcrito a decisão na íntegra, apenas substituí o nome da parte por um fictício, com o objetivo de não expor a sua imagem.

D E C I S Ã O

Vistos etc.

O Órgão Ministerial ofereceu Denúncia em face de TÍCIO, já qualificado nos autos, imputando-lhe a prática do crime tipificado no artigo 28 caput, da Lei nº 11.343/2006.

Colhe-se da peça acusatória, às fls. 02, que o acusado, em 21/11/2013, foi abordado por policiais, os quais encontraram com o réu 03 (três) pequenas “buchas” da substância ilícita vulgarmente conhecida como “maconha”, todas destinadas para seu próprio consumo.

Relatados, decido:

Preambularmente cumpre registrar o posicionamento a ser firmado por este Juízo diante da situação fática ora vivenciada pelo acusado.

Em que pese o estágio inicial que se encontra a presente ação penal, o que aqui se discute é a reprovabilidade da conduta perpetrada pelo réu e a (des) necessidade de punição pelas vias do Direito Penal.

Neste sentido, importante trazer à baila o entendimento exposto pela então Juíza de Direito Maria Lúcia Karan que, ainda na vigência da Lei nº 6368/76, absolveu a ora ré pela prática do crime previsto no artigo 16 da referida lei, flagrada com pequena quantidade de maconha e cocaína para uso próprio, sob argumento da "falta de tipicidade penal”.

No referido decisum, a ilustre magistrada assim asseverou que:

"É comum ouvir afirmações de que a impunidade da posse de drogas para uso pessoal incentivaria a disseminação de tais substâncias. Entretanto, uma análise mais racional revela que tal afirmativa não parte de dados concretos, sendo mera suposição, suposição que também seria possível fazer num sentido oposto, pois não é razoável pensar que a ameaça de punição pode, não só ser inócua no sentido de evitar o consumo, como até funcionar como uma atração a mais, notadamente entre os jovens e adolescentes, setor onde o problema é especialmente preocupante. Também não há dados concretos que demonstrem que a punição do consumidor tenha alguma consequência relevante no combate ao tráfico. A simples observação dos processos que tramitam na Justiça Criminal permite afirmar que é raríssimo encontrar casos em que a prisão do consumidor leva à identificação do fornecedor. Se o consumidor pode vir a ser um [...] traficante, deverá ser punido no momento que assim se tornar, pois aí sim estará deixando a esfera individual para atingir a bens jurídicos alheios, devendo a punição alcançar qualquer conduta que encerre a destinação da droga a terceiros, pouco importando se o fornecimento se dá a título oneroso ou gratuito, em grande ou pequena quantidade."

Já sob a vigência da atual Lei nº 11.343/06, a 6ª Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP, Sexta Câmara Criminal, Apelação Criminal nº 993.07.126537-3, Rel. José Henrique Torres, j. 31.03.2008), por sua vez, retomou o debate para fins de declarar a inconstitucionalidade do artigo 28 da referida Lei, sob o argumento de que:

“não há tipificação de conduta hábil a produzir lesão que invada os limites da alteridade, afronta os princípios da igualdade, da inviolabilidade da intimidade e da vida privada e do respeito à diferença, corolário do princípio da dignidade, albergados pela Constituição Federal e por tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil”.

Tal posicionamento tomou projeção nacional, de tal modo que já é possível verificar a sua presença nas sentenças dos magistrados de primeiro grau, a exemplo do Juiz Rubens Casara, da 43ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que absolveu sumariamente o réu pela prática do crime previsto no artigo 28 da lei nº 11.343/06, sob o fundamento de que o fato narrado evidentemente não constitui crime:

"Por força do princípio da ofensividade (nullum crimen sine iniuria), não existe crime sem ofensa ao bem jurídico em nome do qual a norma penal foi criada. No caso em exame, a conduta de P. Não colocou em risco real e concreto o bem jurídico - saúde pública - que se afirma protegido pela norma penal incriminadora. De igual sorte, não se pode reconhecer a existência de crime sem que o resultado da conduta do agente se mostre capaz de afetar terceiras pessoas ou interesses de terceiros. Note-se que a conduta do réu toca apenas bens jurídicos individuais." Por fim, como consequência deste debate, a arguição da inconstitucionalidade aportou no STF, que lhe deu status de"Repercussão Geral". Sendo assim, portanto, a discussão atual acerca da inconstitucionalidade do artigo 28, da Lei nº 11.343/06 afeta o Supremo Tribunal Federal, que não deve demorar na apreciação do caso”.¹

Como visto no teor do julgado acima transcrito, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu e existência de “Repercussão Geral” no caso da inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343 /06:

"No caso, a controvérsia constitucional cinge-se a determinar se o preceito constitucional invocado autoriza o legislador infraconstitucional a tipificar penalmente o uso de drogas para consumo pessoal. Trata-se de discussão que alcança, certamente, grande número de interessados, sendo necessária a manifestação desta Corte para a pacificação da matéria. Portanto, revela-se tema com manifesta relevância social e jurídica, que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Nesse sentido, entendo configurada a repercussão geral da matéria Constitucional."

Ademais, a Primeira Turma do Pretório Excelso, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, aplicou, de forma pioneira, o princípio da insignificância a caso específico de porte de drogas, esclarecendo que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando “estritamente necessários à própria proteção das pessoas”, levando-se em consideração, para tanto, que no caso houve porte de ínfima quantidade de droga, o que resultou na determinação do trancamento do procedimento penal por ausência de tipicidade material da conduta²:

“a aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige que sejam preenchidos requisitos tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e relativa inexpressividade da lesão jurídica”.

Por fim, tal posicionamento vem a se consolidar com a proposta da comissão de juristas responsáveis pelo Anteprojeto do Novo Código Penal de descriminalizar o uso de drogas, cabendo ao Poder Executivo regulamentar a quantidade de substância que uma pessoa poderá portar e manter sem que se considere crime.

Outrossim, não se ignora a possibilidade de diferente posicionamento nos Tribunais pátrios, mormente por não estar pacificada a questão nos Tribunais Superiores. 
Todavia, entendo ser desnecessário aprofundar-me nas razões do meu convencimento acerca da atipicidade da conduta, eis que os entendimentos supra transcritos refletem o meu decisum.

Tendo em vista a atipicidade da conduta perpetrada pelo réu, concluo pela falta de justa causa para o exercício da ação penal, razão pela qual REJEITO A DENÚNCIA, com fulcro no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal

Intimem-se. Preclusos prazos recursais, dê-se baixa e ARQUIVE-SE.

1 - Juízo da 43ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Processo nº 0074975-39.2010.8.19.0001– Juiz Rubens Roberto Rebello Casara. Sentença Proferida em 31 de janeiro de 2012.


2 - STF, 1ª Turma., HC 110.475/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 14.02.2012