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O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) conclui, na sessão desta quinta-feira (5), o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 603616, com repercussão geral reconhecida, e, por maioria de votos, firmou a tese de que “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados”.
A tese deve ser observada pela demais instâncias do Poder Judiciário e aplicadas aos processos suspensos (sobrestados) que aguardavam tal definição. De acordo com o entendimento firmado, entre os crimes permanentes, para efeito de aplicação da tese, estão o depósito ou porte de drogas, extorsão mediante sequestro e cárcere privado, ou seja, situações que exigem ação imediata da polícia. O inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal dispõe que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. No recurso que serviu de paradigma para a fixação da tese, um cidadão questionava a legalidade de sua condenação por tráfico de drogas, decorrente da invasão de sua casa por autoridades policiais sem que houvesse mandado judicial de busca e apreensão. Foram encontrados 8,5 kg de cocaína no veículo de sua propriedade, estacionado na garagem. A polícia foi ao local por indicação do motorista de caminhão que foi preso por transportar o restante da droga. De acordo com o entendimento majoritário do Plenário, e nos termos do artigo 33 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), ter entorpecentes em depósito constitui crime permanente, caracterizando, portanto, a condição de flagrante delito a que se refere o dispositivo constitucional. Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a busca e apreensão domiciliar é claramente uma medida invasiva, mas de grande valia para a repressão à prática de crimes e para investigação criminal. O ministro admitiu que ocorrem abusos – tanto na tomada de decisão de entrada forçada quanto na execução da medida – e reconheceu que as comunidades em situação de vulnerabilidade social muitas vezes são vítimas de ingerências arbitrárias por parte de autoridades policiais. Embora reconheça que o desenvolvimento da jurisprudência sobre o tema ocorrerá caso a caso, o relator afirmou que a fixação da tese é um avanço para a concretização da garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio. “Com ela estar-se-á valorizando a proteção à residência, na medida em que será exigida a justa causa, controlável a posteriori para a busca. No que se refere à segurança jurídica para os agentes da Segurança Pública, ao demonstrarem a justa causa para a medida, os policiais deixam de assumir o risco de cometer o crime de invasão de domicílio, mesmo que a diligência venha a fracassar”, afirmou. O ministro explicou que, eventualmente, o juiz poderá considerar que a invasão do domicílio não foi justificada em elementos suficientes, mas isso não poderá gerar a responsabilização do policial, salvo em caso de abuso. Dessa forma, o relator votou pelo desprovimento do recurso interposto pelo condenado contra acordão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJ-RO). Divergência O ministro Marco Aurélio divergiu do relator para dar provimento ao recuso e absolver o condenado, por entender não caraterizado o crime permanente, e também por discordar da tese. “O crime teve exaurimento quando um dos corréus foi surpreendido conduzindo o veículo e portando a droga. Não se trata de crime permanente”, entendeu o ministro. “O que receio muito é que, a partir de uma simples suposição, se coloque em segundo plano uma garantia constitucional, que é a inviolabilidade do domicílio", afirmou. "O próprio juiz só pode determinar a busca e apreensão durante o dia, mas o policial então pode – a partir da capacidade intuitiva que tenha ou de uma indicação –, ao invés de recorrer à autoridade judiciária, simplesmente arrombar a casa?”, indagou. |
Carlos Gianfardoni Advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo, sob o nº 96.337, com atuação na defesa de Crimes Empresariais e Crimes Contra a Vida; Professor de Direito Penal e Processo Penal na Escola de Direito - Pós-graduado em Direito Tributário; Mestre em Educação na USCS
sexta-feira, 6 de novembro de 2015
Entrada da Polícia Em Domicílio Sem Autorização Judicial
sexta-feira, 30 de outubro de 2015
Competência Para Julgamento de Postagem de Pornografia Infantil
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Na sessão desta quinta-feira (29), o Plenário do
Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou o enunciado da tese firmada no
julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 628624, quando os ministros
decidiram, por maioria, questão sobre a competência para o julgamento de ação
sobre publicação de conteúdo pornográfico infantil na internet. O tema teve
repercussão geral reconhecida e atinge 16 casos sobrestados.
O ministro Edson Fachin, que proferiu voto
divergente acompanhado pela maioria dos ministros, sugeriu a seguinte tese
aprovada pelo Plenário: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os
crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico
envolvendo criança ou adolescente [artigos 241, 241-A e 241-B da Lei
8.069/1990] quando praticados por meio da rede mundial de computadores”.
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Júri absolve homem que matou irmão tetraplégico a tiros a pedido da vítima
Homicídio planejado
aconteceu em Rio Claro (SP) em outubro de 2011. Geraldo Rodrigues de Oliveira
pediu ao irmão para simular um assalto.
O júri popular de Rio Claro (SP)
absolveu Roberto Rodrigues de Oliveira nesta terça-feira (27), acusado de matar
o irmão tetraplégico a tiros em 2011. A vítima, inconformada com a sua
condição, pediu para morrer em uma simulação de assalto. O irmão foi detido
três dias após o crime, mas logo foi solto e desde então respondia em liberdade
por homicídio doloso, quando há a intenção de matar.
O advogado de defesa, Edmundo
Canavezzi, disse que já esperava pela sentença favorável. “Roberto foi perdoado
pela família e esse peso ele vai carregar pelo resto da vida. Os jurados
acolheram a minha tese de que não se poderia esperar dele outra atitude senão
àquela a qual ele adotou”, disse o defensor.
O julgamento começou por volta das
9h30. Sete jurados participaram do júri. “Não dá para saber se a decisão foi
unânime porque pela atual legislação processual penal quando se atinge o numero
de quatro votos o juiz encerra a votação”, explicou Canavezzi.
O homicídio aconteceu em outubro de
2011 no bairro Jardim Novo 1. Durante as investigações, a polícia descobriu que
Geraldo pediu a Roberto que planejasse um meio de matá-lo, simulando um
assalto. Um sobrinho adolescente que morava com a vítima seria a única
testemunha.
Após o crime, o sobrinho relatou em
depoimento que Roberto invadiu a casa encapuzado e atirou contra Geraldo, que
foi atingido no ombro e no pescoço. Ele ainda roubou R$ 800 para que a polícia
acreditasse em assalto. Em meio às investigações, o jovem mudou a versão e
relatou que tudo tinha sido combinado entre eles.
Sequência de
tragédias
O advogado avaliou o caso como uma
sequência de tragédias. Geraldo era casado e tinha um filho paraplégico,
situação que ele não aceitava. Quando a criança tinha 8 anos, o pai sofreu um
grave acidente que o deixou tetraplégico, em 2009. No mesmo ano, outro irmão
dele morreu em um acidente. “Ele não se conformava e entendia que ele era quem
deveria ter morrido, então começou a pensar seriamente em se matar”, contou o
advogado.
Geraldo pediu para a mulher sair de
casa e quando ela se foi com o filho ele passou a ser cuidado por Roberto. A
partir daí a vítima passou a exigir que o irmão o matasse. Roberto, por sua
vez, não suportava ver o irmão naquela situação. Ele tinha problemas físicos
graves, sentia dor ao passar a sonda para poder urinar e também estava deprimido,
prisioneiro do próprio corpo.
“Geraldo, Roberto e o sobrinho
planejaram a morte. É uma situação bastante intensa em que você tem
fundamentalmente um individuo muito pressionado e coagido pelas circunstâncias,
que não tinha outra alternativa senão cumprir como designo do irmão”, disse o
advogado.
Após o crime, a polícia pediu a
prisão temporária de Roberto. Pouco tempo depois ele foi solto para responder
pelo crime em liberdade.
Fonte: G1
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
Advogado é preso no lugar de cliente e vira alvo de piada feita por juíza
Advogado é preso no lugar de cliente e vira alvo de piada feita por
juíza
Um mandado de
prisão emitido com o nome errado fez com que um advogado de Indaiatuba, no
interior de SP, fosse preso no lugar do cliente dele.
Segundo a OAB-SP (Ordem dos Advogados
do Brasil em São Paulo), dias depois, o defensor ainda foi vítima de um comentário
malicioso da juíza durante uma audiência.
Segundo o presidente da Comissão de
Direitos e Prerrogativas da OAB SP, Ricardo Toledo Santos Filho, o documento,
emitido pela 1ª Vara Cível da cidade, foi entregue à polícia, que cumpriu a
“ordem”. Mas, o defensor, que não quer ter o nome revelado, percebeu que era o
cliente que deveria ir para a cadeia e não ele.
— Ele se rebelou, naturalmente. A
ordem era indevida, era ilegal. Ele tentou argumentar, pediu para ligarem na
vara. A polícia usou de truculência e o levou à delegacia. Lá, ele acionou os
colegas que foram sanar esse erro. Ele ficou quatro horas preso enquanto isso.
Se não bastasse, em uma audiência na
mesma vara, a juíza teria feito um comentário malicioso, segundo Santos.
— Alguns dias depois, uma autoridade
do fórum fez chacota desse fato. Falou, “foi só um advogado preso? Deveria ter
sido a classe toda”.
A OAB-SP apura os fatos. Até o
momento, não há explicação para o mandado de prisão emitido em nome do advogado
e não do réu. Pessoas que estavam na audiência também estão sendo ouvidas pela
comissão da Ordem para comprovar a “piada” da magistrada.
— Isso aí não pode acontecer. O erro
está caracterizado. Agora, a gente está averiguando se houve uma intenção
deliberada de prejudicar o advogado, para ver se teve alguma situação de
retaliação, por exemplo.
Com relação aos comentários, nós não
aceitamos isso de jeito nenhum. O autor dessa afirmação jocosa, irônica e
ofensiva a uma classe vai responder sim pelos danos morais, e na esfera
criminal e disciplinar.
Por meio da assessoria de imprensa do
Tribunal de Justiça de São Paulo, a juíza disse que no mesmo dia em que o
advogado foi preso, comunicou o erro à Corregedoria-Geral de Justiça. Um
procedimento foi instaurado para apurar o fato. Sobre as supostas declarações,
a magistrada nega que tenha feito qualquer comentário ofensivo à categoria.
Advogado é preso no lugar de cliente e vira alvo de piada feita por juíza
Um mandado de
prisão emitido com o nome errado fez com que um advogado de Indaiatuba, no
interior de SP, fosse preso no lugar do cliente dele.
Segundo a OAB-SP (Ordem dos Advogados
do Brasil em São Paulo), dias depois, o defensor ainda foi vítima de um comentário
malicioso da juíza durante uma audiência.
Segundo o presidente da Comissão de
Direitos e Prerrogativas da OAB SP, Ricardo Toledo Santos Filho, o documento,
emitido pela 1ª Vara Cível da cidade, foi entregue à polícia, que cumpriu a
“ordem”. Mas, o defensor, que não quer ter o nome revelado, percebeu que era o
cliente que deveria ir para a cadeia e não ele.
— Ele se rebelou, naturalmente. A
ordem era indevida, era ilegal. Ele tentou argumentar, pediu para ligarem na
vara. A polícia usou de truculência e o levou à delegacia. Lá, ele acionou os
colegas que foram sanar esse erro. Ele ficou quatro horas preso enquanto isso.
Se não bastasse, em uma audiência na
mesma vara, a juíza teria feito um comentário malicioso, segundo Santos.
— Alguns dias depois, uma autoridade
do fórum fez chacota desse fato. Falou, “foi só um advogado preso? Deveria ter
sido a classe toda”.
A OAB-SP apura os fatos. Até o
momento, não há explicação para o mandado de prisão emitido em nome do advogado
e não do réu. Pessoas que estavam na audiência também estão sendo ouvidas pela
comissão da Ordem para comprovar a “piada” da magistrada.
— Isso aí não pode acontecer. O erro
está caracterizado. Agora, a gente está averiguando se houve uma intenção
deliberada de prejudicar o advogado, para ver se teve alguma situação de
retaliação, por exemplo.
Com relação aos comentários, nós não
aceitamos isso de jeito nenhum. O autor dessa afirmação jocosa, irônica e
ofensiva a uma classe vai responder sim pelos danos morais, e na esfera
criminal e disciplinar.
Por meio da assessoria de imprensa do
Tribunal de Justiça de São Paulo, a juíza disse que no mesmo dia em que o
advogado foi preso, comunicou o erro à Corregedoria-Geral de Justiça. Um
procedimento foi instaurado para apurar o fato. Sobre as supostas declarações,
a magistrada nega que tenha feito qualquer comentário ofensivo à categoria.
domingo, 16 de agosto de 2015
STF dirá
que “usuário” de drogas não é criminoso?
Publicado por Luiz Flávio Gomes
O “usuário” de drogas (quem porta drogas para uso
pessoal privado) pratica uma conduta normalmente maligna para ele mesmo, mas
não comete nenhum crime. Basta entender que crime constitui uma ofensa (lesão
ou perigo real ou concreto de lesão) a bens (jurídicos) de terceiras pessoas.
Isso se chama “princípio da alteridade” (que significa ofensa ao outro ou aos
outros, isto é, a terceiros). O “usuário” de drogas (enquanto se limita a isso)
danifica sua própria saúde (em maior ou menor grau, conforme a droga e sua
quantidade), não a saúde física de terceiras pessoas. Ao STF não compete dizer
quem é traficante ou usuário. Isso é problema do legislador. O STF deve decidir
se o usuário é ou não um criminoso. Se o problema é de saúde privada e pública
ou se é uma questão de polícia e Justiça.
A questão central é a seguinte: terá coragem a
Máxima Corte de enfrentar as “massas rebeladas ultraconservadoras” e tomar mais
uma decisão contramajoritária (como fez com a “união homoafetiva”,
células-tronco, aborto anencefálico, marcha da maconha, inconstitucionalidade
do regime fechado nos crimes hediondos, penas alternativas no tráfico etc.)?
Eis a questão. Julgará com a emoção – de acordo com a emotividade reinante na
nossa pungente oclocracia, que é a democracia das massas – ou com a razão?
Seguirá os exemplos dos países mais consequentes no
assunto (praticamente toda Europa, incluindo Portugal, Espanha, Holanda etc.),
que encaram o “usuário” de drogas (tanto quanto o alcoólatra, enquanto não
pratica nenhum crime) como um problema de saúde pública e privada? Ou se
dobrará ao populismo punitivo irracional norte-americano de 1971 (quando
Richard Nixon declarou “guerra às drogas”, desencadeando uma das políticas
públicas mais ineficazes e mais desastradas de toda história da humanidade)?
Nos Estados democráticos de Direito (esse é o
modelo organizacional escolhido pela nossa Constituição,
ao menos no papel), o Estado não tem o direito de usar o direito penal (de
ultima ratio) para corrigir moralmente os humanos “considerados” erráticos
(se é que isso fosse possível). Não existe razoabilidade em usar o poder
punitivo estatal mais pesado contra quem faz uso da sua liberdade para fumar,
beber imoderadamente, ingerir açúcar, sal ou gorduras em excesso, tomar
remédios sem prescrição médica, usar a internet de forma vulgar, não ler um
livro sequer (instrutivo) durante o ano todo, urinar fora do vaso sanitário,
praticar sexo para fins não reprodutivos, não usar (incorretamente) camisinha
etc., seguindo a lógica do Código Penal de
1940, previa pena de prisão para o portador de drogas para uso pessoal. A Lei
dos Juizados Criminais (1995) permitiu aplicar penas alternativas no lugar da
prisão. A Lei 10.409/2002 evoluiu para
tratar o usuário como não criminoso. Com a atual Lei de drogas (11.343/2006) a
situação ficou confusa: aboliu-se a pena de prisão para o usuário, mas é muito
frágil (e demasiadamente subjetiva) a distinção entre o traficante e o usuário.
Daí os abusos constantes (e a superlotação carcerária, muito acima do
crescimento populacional do País).
Essa vem sendo a brecha encontrada (na lei) pelo
poder punitivo para mandar para a cadeia milhares de usuários pobres ou marginalizados,
como se fossem traficantes (houve aumento de 339% nessas prisões desde 2006).
O Instituto Sou da Paz diz que o chamado
“pequeno traficante”, quando é levado para a cadeia, não deixa de ser
“traficante”, mas perde sua qualidade de “pequeno”, porque entra em contato com
o grande tráfico que domina os presídios (veja o livro de Camila Dias). De
outro lado, portadores de drogas de classe média ou alta praticamente não são
importunados pela polícia (territórios inacessíveis). Pelo menos como juiz de direito
que fui (durante 15 anos) eu só recebia processos sobre drogas contra pobres.
Quando excepcionalmente alguém com “status” é surpreendido, raramente é
enfocado como traficante. É um truísmo afirmar que o direito penal não é
aplicado de forma igual para todos. Dos quase 200 mil presos por “tráfico” no
Brasil, nota-se a ausência dos grandes traficantes (com raras exceções, como
Fernandinho Beira-Mar).
Uma última observação: descriminalizar o “usuário”
é retirá-lo do campo penal. É dizer que o usuário não é um criminoso. Mas a
droga, nesse caso, continua ilícita. Hoje existem três posicionamentos sobre o
tema: (a) do próprio STF que diz que o usuário é criminoso; (b) posição
intermediária minha no sentido de que a posse de drogas para uso próprio seria um
ilícito penal sui generis (hoje já não penso dessa maneira) e (c) o
pensamento de Alice Bianchini no sentido de que já houve a descriminalização
(veja nosso livro Lei de Drogas). Sigo hoje esta última tese (pelos
motivos acima alinhados). Não é porque somos um país periférico que não podemos
copiar as boas políticas públicas difundidas pelo mundo afora mais evoluído (e
menos reacionário).
O pensamento aparentemente anárquico (vindo, dentre
outros, de Stuart Mill e da prestigiada revista The Economist) sustenta
que todas as drogas deveriam ser legalizadas, salvo quando envolve menores.
Isso é o que fez o Uruguai e cinco Estados dos EUA em relação à maconha. Quanto
aos maiores de idade, que cada um cuide da sua liberdade com a devida
responsabilidade (tal como cada um faz com o álcool, com o cigarro, com o
açúcar, com o sal, com as gorduras, com os remédios, com o sexo, com o uso
vulgar da internet, com o uso dos carros etc.).
Em pleno século XXI não podemos nos comportar como
os trogloditas de Montesquieu (Cartas Persas) que, sentindo o peso da
ética e da moral, preferiram não se autogovernarem e se submeterem aos juízes e
às leis. Sempre que queremos fugir das nossas responsabilidades éticas, civis e
cidadãs (frente ao uso das drogas, do álcool, do fumo, do açúcar, do carro, das
vias públicas etc.) abominamos o autocontrole em favor das normas e do controle
estatal (confiando, claro, na impunidade, mesmo quando somos pilhados nos
nossos deslizes éticos, morais e cidadãos).
Professor
Jurista e professor. Fundador da
Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor
de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a
2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de
palestras e entrevistas]
STF dirá
que “usuário” de drogas não é criminoso?
Publicado por Luiz Flávio Gomes
O “usuário” de drogas (quem porta drogas para uso
pessoal privado) pratica uma conduta normalmente maligna para ele mesmo, mas
não comete nenhum crime. Basta entender que crime constitui uma ofensa (lesão
ou perigo real ou concreto de lesão) a bens (jurídicos) de terceiras pessoas.
Isso se chama “princípio da alteridade” (que significa ofensa ao outro ou aos
outros, isto é, a terceiros). O “usuário” de drogas (enquanto se limita a isso)
danifica sua própria saúde (em maior ou menor grau, conforme a droga e sua
quantidade), não a saúde física de terceiras pessoas. Ao STF não compete dizer
quem é traficante ou usuário. Isso é problema do legislador. O STF deve decidir
se o usuário é ou não um criminoso. Se o problema é de saúde privada e pública
ou se é uma questão de polícia e Justiça.
A questão central é a seguinte: terá coragem a
Máxima Corte de enfrentar as “massas rebeladas ultraconservadoras” e tomar mais
uma decisão contramajoritária (como fez com a “união homoafetiva”,
células-tronco, aborto anencefálico, marcha da maconha, inconstitucionalidade
do regime fechado nos crimes hediondos, penas alternativas no tráfico etc.)?
Eis a questão. Julgará com a emoção – de acordo com a emotividade reinante na
nossa pungente oclocracia, que é a democracia das massas – ou com a razão?
Seguirá os exemplos dos países mais consequentes no
assunto (praticamente toda Europa, incluindo Portugal, Espanha, Holanda etc.),
que encaram o “usuário” de drogas (tanto quanto o alcoólatra, enquanto não
pratica nenhum crime) como um problema de saúde pública e privada? Ou se
dobrará ao populismo punitivo irracional norte-americano de 1971 (quando
Richard Nixon declarou “guerra às drogas”, desencadeando uma das políticas
públicas mais ineficazes e mais desastradas de toda história da humanidade)?
Nos Estados democráticos de Direito (esse é o
modelo organizacional escolhido pela nossa Constituição,
ao menos no papel), o Estado não tem o direito de usar o direito penal (de
ultima ratio) para corrigir moralmente os humanos “considerados” erráticos
(se é que isso fosse possível). Não existe razoabilidade em usar o poder
punitivo estatal mais pesado contra quem faz uso da sua liberdade para fumar,
beber imoderadamente, ingerir açúcar, sal ou gorduras em excesso, tomar
remédios sem prescrição médica, usar a internet de forma vulgar, não ler um
livro sequer (instrutivo) durante o ano todo, urinar fora do vaso sanitário,
praticar sexo para fins não reprodutivos, não usar (incorretamente) camisinha
etc., seguindo a lógica do Código Penal de
1940, previa pena de prisão para o portador de drogas para uso pessoal. A Lei
dos Juizados Criminais (1995) permitiu aplicar penas alternativas no lugar da
prisão. A Lei 10.409/2002 evoluiu para
tratar o usuário como não criminoso. Com a atual Lei de drogas (11.343/2006) a
situação ficou confusa: aboliu-se a pena de prisão para o usuário, mas é muito
frágil (e demasiadamente subjetiva) a distinção entre o traficante e o usuário.
Daí os abusos constantes (e a superlotação carcerária, muito acima do
crescimento populacional do País).
Essa vem sendo a brecha encontrada (na lei) pelo
poder punitivo para mandar para a cadeia milhares de usuários pobres ou marginalizados,
como se fossem traficantes (houve aumento de 339% nessas prisões desde 2006).
O Instituto Sou da Paz diz que o chamado
“pequeno traficante”, quando é levado para a cadeia, não deixa de ser
“traficante”, mas perde sua qualidade de “pequeno”, porque entra em contato com
o grande tráfico que domina os presídios (veja o livro de Camila Dias). De
outro lado, portadores de drogas de classe média ou alta praticamente não são
importunados pela polícia (territórios inacessíveis). Pelo menos como juiz de direito
que fui (durante 15 anos) eu só recebia processos sobre drogas contra pobres.
Quando excepcionalmente alguém com “status” é surpreendido, raramente é
enfocado como traficante. É um truísmo afirmar que o direito penal não é
aplicado de forma igual para todos. Dos quase 200 mil presos por “tráfico” no
Brasil, nota-se a ausência dos grandes traficantes (com raras exceções, como
Fernandinho Beira-Mar).
Uma última observação: descriminalizar o “usuário”
é retirá-lo do campo penal. É dizer que o usuário não é um criminoso. Mas a
droga, nesse caso, continua ilícita. Hoje existem três posicionamentos sobre o
tema: (a) do próprio STF que diz que o usuário é criminoso; (b) posição
intermediária minha no sentido de que a posse de drogas para uso próprio seria um
ilícito penal sui generis (hoje já não penso dessa maneira) e (c) o
pensamento de Alice Bianchini no sentido de que já houve a descriminalização
(veja nosso livro Lei de Drogas). Sigo hoje esta última tese (pelos
motivos acima alinhados). Não é porque somos um país periférico que não podemos
copiar as boas políticas públicas difundidas pelo mundo afora mais evoluído (e
menos reacionário).
O pensamento aparentemente anárquico (vindo, dentre
outros, de Stuart Mill e da prestigiada revista The Economist) sustenta
que todas as drogas deveriam ser legalizadas, salvo quando envolve menores.
Isso é o que fez o Uruguai e cinco Estados dos EUA em relação à maconha. Quanto
aos maiores de idade, que cada um cuide da sua liberdade com a devida
responsabilidade (tal como cada um faz com o álcool, com o cigarro, com o
açúcar, com o sal, com as gorduras, com os remédios, com o sexo, com o uso
vulgar da internet, com o uso dos carros etc.).
Em pleno século XXI não podemos nos comportar como
os trogloditas de Montesquieu (Cartas Persas) que, sentindo o peso da
ética e da moral, preferiram não se autogovernarem e se submeterem aos juízes e
às leis. Sempre que queremos fugir das nossas responsabilidades éticas, civis e
cidadãs (frente ao uso das drogas, do álcool, do fumo, do açúcar, do carro, das
vias públicas etc.) abominamos o autocontrole em favor das normas e do controle
estatal (confiando, claro, na impunidade, mesmo quando somos pilhados nos
nossos deslizes éticos, morais e cidadãos).
Professor
Jurista e professor. Fundador da
Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor
de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a
2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de
palestras e entrevistas]
quarta-feira, 15 de julho de 2015
Constrangimento Ilegal
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A 4ª Turma do TRF da
1ª Região negou pedido de habeas corpus impetrado contra ato da 2ª Vara
Federal da Bahia que, nos autos de ação penal, teria intimado para prestar
depoimento, na qualidade de testemunha, um dos sócios de uma empresa, onde os
fatos teriam sido praticados pelo denunciado, outro sócio da empresa.
No pedido, o impetrante sustenta que estaria sofrendo constrangimento ilegal, na medida em que foi arrolado como testemunha em um processo cuja acusação se dirige a outro sócio, seu filho, circunstância que o eximiria de prestar depoimento, conforme dispõe o artigo 206 do Código de Processo Penal (CPP). O relator, juiz federal convocado Marcus Vinicius Reis Bastos, rejeitou as alegações apresentadas pelo impetrante. Em seu voto, o magistrado destacou que, nos termos do artigo 206 do CPP, “a testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se de fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão ou pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias”. Nesse sentido, “intimar uma das pessoas elencadas no art. 206 do CPP para depor não configura, por si só, constrangimento ilegal, pois a lei faculta ao intimado não prestar depoimento. Nada impede que, diante do magistrado, o pai do denunciado, como ocorre no caso, exponha a sua dificuldade de depor ou mesmo se recuse a fazê-lo, como faculta a lei”, esclareceu o relator. A decisão foi unânime.
Processo nº
0073480-55.2014.4.01.0000/BA
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quarta-feira, 24 de junho de 2015
Traição a serviço da ‘Justiça’
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O título deste texto, que também poderia
denominar-se Traição a serviço da ‘Justiça’, reflete, alegoricamente, o real
significado da delação premiada, um instituto ligado, na verdade, ao
aprisionamento sem culpa e a uma distorcida ideia de Justiça, e não ao escopo
declarado em lei, qual seja o de constituir um instrumento para o
esclarecimento da verdade real sobre o crime e seus autores. A primeira
objeção a ser posta diante do instituto da delação premiada se refere à
insegurança jurídica que é por ele gerada.
O acusado preso sofre um rebaixamento no seu
senso ético e moral, sendo atingidas as noções do certo e do errado, do justo
e do injusto, do bem e do mal. Fragilizado, o colaborador fica sujeito a
qualquer tipo de estímulo para ver minimizado o sofrimento imposto pela sua
estada no cárcere. E atualmente a delação premiada, incentivada pelas
autoridades, se apresenta como o mais viável meio de alcance da liberdade.
O encarcerado, com apoio na verdade ou
falseando-a, passa a acusar companheiros de empreitada criminosa e a narrar
situações ilícitas até então desconhecidas. É obvio que a sua conduta não é
inspirada por motivos ligados ao civismo, à cidadania, ao interesse público
ou a quaisquer outros nobres sentimentos. Seu interesse imediato é alcançar a
liberdade, bem como benefícios outros que vão desde o perdão judicial até a
diminuição da pena e o menor rigor em seu cumprimento.
Lembre-se de que, em face desses motivos
meramente utilitários, egoísticos, a delação poderá atingir pessoas inocentes
ou mesmo aquelas que, embora participantes do crime, tenham uma
responsabilidade menor do que a apontada. Lamentavelmente, este
injustificável efeito da colaboração premiada vem ocorrendo nos nossos dias e
provoca evidente insegurança jurídica no que diz respeito à justiça penal.
De acordo com a Lei 12.850/13, sobre organização
criminosa, que editou normas específicas e mais abrangentes a respeito de
colaboração, existem duas condicionantes para que a colaboração tenha
validade jurídica: a efetividade das denúncias e a voluntariedade na opção do
delator. Quanto à efetividade, o legislador pretende que o conteúdo da
delação produza efeitos concretos para que o crime, os seus outros autores e
as suas demais circunstâncias possam ser esclarecidos. Cabe, acerca deste
aspecto, uma advertência: a efetividade da colaboração não pode ser avaliada
apenas sob o prisma do seu conteúdo, mas é necessária a comprovação da sua
veracidade, sem o que não haverá efetividade e legitimidade da própria função
jurisdicional, pois não há Justiça Penal sem verdade.
A voluntariedade, segundo requisito da
legitimidade da colaboração, tem sido escandalosamente desrespeitada, com a
complacência da mídia, da sociedade e – o que é mais grave – de autoridades
ligadas à distribuição da Justiça Penal.
A partir da denominada Operação Lava Jato, as
prisões preventivas passaram a ser decretadas para obrigar o acusado a
delatar para obter a liberdade. Assim, prende-se para delatar e se solta
porque se delatou.
Note-se que o escopo exclusivo da prisão é
rigorosamente a delação. A custódia é decretada sem o exame de sua
necessidade.
Deve ser realçado, ainda, que a necessidade
constitui requisito fundamental para que a prisão antecipada se legitime
perante a Constituição federal, em face do princípio da presunção de
inocência, que proíbe a aplicação de pena até o trânsito em julgado da
decisão respectiva, salvo em casos excepcionais de comprovada necessidade.
Prisão para forçar a delação é uma medida cruel, verdadeira tortura, de nefastas consequências. Portanto, quem delata porque está preso não age voluntariamente. Estivesse em liberdade, sem pressão ou coação, a sua opção seria voluntária e merecedora de credibilidade. Encarcerado, porém, a sua palavra estará sempre sob suspeita. O ético e juridicamente correto seria que a lei só desse valor à palavra do delator que estivesse fora da prisão e proibisse a delação daquele que se encontra encarcerado. Como afirmou, com a propriedade de sempre, o advogado Arnaldo Malheiros Filho, ao comentar uma delação feita nos Estados Unidos que atingiu uma pessoa inocente e isentou o delator homicida de maiores consequências penais, “quem pode comprar a liberdade com a palavra dirá a palavra que quiserem ouvir”.
É preciso salientar que a delação premiada, tal
como vem sendo implementada no processo brasileiro, representa a derrogação
de princípios basilares da nossa jurisdição penal, a começar pelo próprio
afastamento da jurisdição na aplicação da sanção penal.
Uma vez fixados os
termos do acordo entre acusador e acusado, incluindo a pena e seu
cumprimento, o juiz terá papel meramente homologatório. O advogado, por sua
vez, será simples fiscal do acordo, porque diante da delação o direito de
defesa se torna dispensável.
Em resumo, estamos diante de aplicação de sanção
penal sem processo, este entendido como instrumento de aplicação do Direito
Penal, regido pelos princípios do contraditório, da obrigatoriedade da ação
penal, da presunção de inocência, do devido processo legal e da ampla defesa,
que passam a constituir letra morta, um nada jurídico.
Esse novo método de “descoberta da verdade”, longe de revelá-la, tem provocado injustiças e, como se apontou, uma inconcebível violação de princípios e de postulados constitucionais, cuja inserção em nosso ordenamento jurídico significou uma evolução civilizatória digna de orgulho e envaidecimento, pelo que representou de avanço em prol da democracia e da defesa das liberdades individuais.
Lembre-se que não se faz justiça com o sacrifício
da dignidade e da liberdade.
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira - Conselheiro
honorário do MDA, ex-presidente da OAB-SP e da AASP, foi secretário de
Justiça e de Segurança do Estado de São Paulo.
*Artigo publicado originalmente na edição de sábado (20/6) do jornal O Estado de S. Paulo. |
quarta-feira, 17 de junho de 2015
Juíza rejeita denúncia por uso de drogas.
Em
recente decisão, já transitada em julgado, a magistrada rejeitou denúncia que
imputava a conduta de possuir droga para consumo próprio, sob o argumento de
atipicidade da conduta
Apesar do processo
ser público e de ter transcrito a decisão na íntegra,
apenas substituí o nome da parte por um fictício, com o objetivo de não expor a
sua imagem.
D E C I S Ã O
Vistos etc.
O Órgão
Ministerial ofereceu Denúncia em face de TÍCIO, já qualificado nos autos,
imputando-lhe a prática do crime tipificado no artigo 28
caput, da Lei nº 11.343/2006.
Colhe-se da peça
acusatória, às fls. 02, que o acusado, em 21/11/2013, foi abordado por
policiais, os quais encontraram com o réu 03 (três) pequenas “buchas” da
substância ilícita vulgarmente conhecida como “maconha”, todas destinadas para
seu próprio consumo.
Relatados, decido:
Preambularmente
cumpre registrar o posicionamento a ser firmado por este Juízo diante da
situação fática ora vivenciada pelo acusado.
Em que pese o
estágio inicial que se encontra a presente ação penal, o que aqui se discute é
a reprovabilidade da conduta perpetrada pelo réu e a (des) necessidade de
punição pelas vias do Direito Penal.
Neste sentido,
importante trazer à baila o entendimento exposto pela então Juíza de Direito
Maria Lúcia Karan que, ainda na vigência da Lei nº 6368/76,
absolveu a ora ré pela prática do crime previsto no artigo 16
da referida lei, flagrada com pequena quantidade de maconha e cocaína para uso
próprio, sob argumento da "falta de tipicidade penal”.
"É comum
ouvir afirmações de que a impunidade da posse de drogas para uso pessoal
incentivaria a disseminação de tais substâncias. Entretanto, uma análise mais
racional revela que tal afirmativa não parte de dados concretos, sendo mera
suposição, suposição que também seria possível fazer num sentido oposto, pois
não é razoável pensar que a ameaça de punição pode, não só ser inócua no
sentido de evitar o consumo, como até funcionar como uma atração a mais,
notadamente entre os jovens e adolescentes, setor onde o problema é
especialmente preocupante. Também não há dados concretos que demonstrem que a
punição do consumidor tenha alguma consequência relevante no combate ao
tráfico. A simples observação dos processos que tramitam na Justiça Criminal
permite afirmar que é raríssimo encontrar casos em que a prisão do consumidor
leva à identificação do fornecedor. Se o consumidor pode vir a ser um [...]
traficante, deverá ser punido no momento que assim se tornar, pois aí sim
estará deixando a esfera individual para atingir a bens jurídicos alheios,
devendo a punição alcançar qualquer conduta que encerre a destinação da droga a
terceiros, pouco importando se o fornecimento se dá a título oneroso ou
gratuito, em grande ou pequena quantidade."
Já sob a vigência
da atual Lei nº 11.343/06,
a 6ª Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP, Sexta
Câmara Criminal, Apelação Criminal nº 993.07.126537-3, Rel. José Henrique
Torres, j. 31.03.2008), por sua vez, retomou o debate para fins de declarar a
inconstitucionalidade do artigo 28
da referida Lei, sob o argumento de que:
“não
há tipificação de conduta hábil a produzir lesão que invada os limites da
alteridade, afronta os princípios da igualdade, da inviolabilidade da intimidade
e da vida privada e do respeito à diferença, corolário do princípio da
dignidade, albergados pela Constituição
Federal e por tratados internacionais de Direitos Humanos
ratificados pelo Brasil”.
Tal posicionamento
tomou projeção nacional, de tal modo que já é possível verificar a sua presença
nas sentenças dos magistrados de primeiro grau, a exemplo do Juiz Rubens
Casara, da 43ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que absolveu sumariamente o réu
pela prática do crime previsto no artigo 28
da lei nº 11.343/06,
sob o fundamento de que o fato narrado evidentemente não constitui crime:
"Por força do
princípio da ofensividade (nullum crimen sine iniuria), não existe crime sem
ofensa ao bem jurídico em nome do qual a norma penal foi criada. No caso em
exame, a conduta de P. Não colocou em risco real e concreto o bem jurídico -
saúde pública - que se afirma protegido pela norma penal incriminadora. De
igual sorte, não se pode reconhecer a existência de crime sem que o resultado
da conduta do agente se mostre capaz de afetar terceiras pessoas ou interesses
de terceiros. Note-se que a conduta do réu toca apenas bens jurídicos
individuais." Por fim, como consequência deste debate, a arguição da
inconstitucionalidade aportou no STF, que lhe deu status de"Repercussão
Geral". Sendo assim, portanto, a discussão atual acerca da
inconstitucionalidade do artigo 28,
da Lei nº 11.343/06
afeta o Supremo Tribunal Federal, que não deve demorar na apreciação do caso”.¹
Como visto no teor
do julgado acima transcrito, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu e
existência de “Repercussão Geral”
no caso da inconstitucionalidade do artigo 28
da Lei 11.343
/06:
"No caso, a
controvérsia constitucional cinge-se a determinar se o preceito constitucional invocado
autoriza o legislador infraconstitucional a tipificar penalmente o uso de
drogas para consumo pessoal. Trata-se de discussão que alcança, certamente,
grande número de interessados, sendo necessária a manifestação desta Corte para
a pacificação da matéria. Portanto, revela-se tema com manifesta relevância
social e jurídica, que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Nesse
sentido, entendo configurada a repercussão geral da matéria
Constitucional."
Ademais, a
Primeira Turma do Pretório Excelso, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli,
aplicou, de forma pioneira, o princípio da insignificância a caso específico de
porte de drogas, esclarecendo que a privação da liberdade e a restrição de
direitos do indivíduo somente se justificam quando “estritamente necessários à
própria proteção das pessoas”, levando-se em consideração, para tanto, que no
caso houve porte de ínfima quantidade de droga, o que resultou na determinação
do trancamento do procedimento penal por ausência de tipicidade material da conduta²:
“a aplicação do
princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige que
sejam preenchidos requisitos tais como a mínima ofensividade da conduta do
agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade
do comportamento e relativa inexpressividade da lesão jurídica”.
Por fim, tal
posicionamento vem a se consolidar com a proposta da comissão de
juristas responsáveis pelo Anteprojeto do Novo Código Penal
de descriminalizar o uso de drogas, cabendo ao Poder Executivo regulamentar a
quantidade de substância que uma pessoa poderá portar e manter sem que se
considere crime.
Outrossim, não se
ignora a possibilidade de diferente posicionamento nos Tribunais pátrios,
mormente por não estar pacificada a questão nos Tribunais Superiores.
Todavia,
entendo ser desnecessário aprofundar-me nas razões do meu convencimento acerca
da atipicidade da conduta, eis que os entendimentos supra transcritos refletem
o meu decisum.
Tendo em vista a
atipicidade da conduta perpetrada pelo réu, concluo pela falta de justa causa
para o exercício da ação penal, razão pela qual REJEITO A DENÚNCIA, com fulcro
no artigo 395,
inciso III,
do Código de Processo Penal
Intimem-se.
Preclusos prazos recursais, dê-se baixa e ARQUIVE-SE.
1 - Juízo da 43ª
Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Processo nº
0074975-39.2010.8.19.0001– Juiz Rubens Roberto Rebello Casara. Sentença Proferida
em 31 de janeiro de 2012.
2 - STF, 1ª Turma., HC 110.475/SC, Rel. Min.
Dias Toffoli, julgado em 14.02.2012
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