Resolução permite o uso de
canabidiol.
O Conselho Regional de Medicina de São Paulo saiu à frente e editou a
Resolução nº 268/2014, que autoriza a prescrição da substância canabidiol, um
dos 80 princípios ativos da maconha, apenas para pacientes latentes e da
infância que apresentem casos graves de epilepsias refratárias aos tratamentos
convencionais. Isto porque os ensaios clínicos realizados até o presente
demonstraram que o CBD reduz as crises convulsivas com razoável margem de
segurança e boa tolerabilidade.
De acordo com as normas brasileiras, todo medicamento sujeito a controle
especial, sem registro no país, necessita da avaliação da ANVISA, órgão
responsável pela aprovação da importação. Até há pouco imperava o inconveniente
de se perquirir judicialmente a autorização mas, em razão de reiterados
pedidos, a pretensão pode ser atendida administrativamente, observando a
obrigatoriedade dos seguintes documentos: prescrição médica, com a posologia,
quantitativo necessário e tempo de tratamento; laudo médico, contendo a
justificativa do uso do medicamento não registrado no Brasil; Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelo médico, paciente ou responsável
legal, com específica ciência de que a medicação ainda não foi submetida ao
controle de eficácia e segurança pela agência brasileira.
Noticia-se com certa insistência que alguns países tomaram iniciativa de
liberar o uso medicinal da maconha. Como exemplo, basta ver que vários Estados
norte-americanos passaram a liberar o uso da maconha para fins terapêuticos
(Califórnia foi o 1º, em 1996, Flórida o 22º, em abril de 2014). Embasados em
estudos que demonstram a capacidade da maconha colaborar com alguns
tratamentos, os Estados norte americanos toleram a prática terapêutica da cannabis,
permitindo que os médicos receitem a conhecida erva como forma de tratamento.
Até o presente, o CDB não provocou efeitos alucinógenos ou psicóticos, nem
mesmo qualquer prejuízo para a cognição humana.
A iniciativa do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, ao meter a
primeira cunha em assunto tão tormentoso, com muita precisão e bom senso,
merece aplausos e reconhecimento não só da classe médica que representa, mas
também da população que necessita da medicação. Além do que, de forma
magistral, aplicou os princípios da Bioética, que devem revestir a decisão a
respeito da conduta mais adequada, conveniente e salutar para o paciente. Na
bioética, termo utilizado pela primeira vez em 1970 pelo oncologista
norte-americano Van Rensselaer Potter, busca-se a resposta para os temas que
aguçam e desafiam o homem, ainda despreparado e que não carrega de pronto uma
definição a respeito da aceitação ou rejeição de condutas que podem quebrar o
consenso ético ou da utilização de técnicas que venham a ser incompatíveis com
a expectativa da vida individualizada.
O princípio da autonomia da vontade, o primeiro deles, valoriza o homem
em sua individualidade, como um ser dotado de racionalidade e liberdade no
sentido de tutelá-lo e valorizá-lo não só em sua vida biológica, mas invadindo
também sua dimensão moral e social no âmbito de sua liberdade e autonomia, seja
como cidadão ou paciente a ser cuidado.
Daí que o novo Código de Ética Médica, em vigência a partir de abril de
2010, inseriu o princípio da autonomia da vontade do paciente, pelo qual o
médico deve, em primeiro lugar, informar o paciente a respeito das opções
diagnósticas ou terapêuticas, apontar eventuais riscos existentes em cada uma
delas e, em seguida, obter dele ou de seu representante legal o consentimento
para sua intervenção. Esta parceria de decisão que se forma a respeito do
tratamento mais adequado nada mais é do que a conjugação das alternativas de
ações apresentadas pelo médico e a escolha livre e autônoma do paciente. O
profissional da saúde não será detentor pleno da decisão para realizar determinada
conduta interventiva. É uma modalidade de coautoria, que depende da
aquiescência do paciente, representada, no caso específico, pelo indispensável
Termo de Assentimento do paciente, se possível, e pelo Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido de seu representante legal.
O da beneficência (primum non nocere), atrelado ao da
não-maleficência (malum non facere) não basta proteger a autonomia do paciente,
busca-se a proteção a eventual dano para assegurar a ele o bem-estar ou, em
outras palavras, extremar os possíveis benefícios e minimizar os possíveis
danos.
O da Justiça, ou da distribuição igualitária, determina que os
benefícios recebidos por uma pessoa, no caso o medicamento, mesmo que seja de
outro país, devem ser estendidos a outras, em razão da igualdade de tratamento
que deve imperar no relacionamento humanitário.
A vida humana, revestida da dignidade prevista constitucionalmente,
vincula o Estado a proporcionar o bem-estar a todo cidadão, compreendo aqui não
só as políticas públicas voltadas para a área da saúde, mas também qualquer
necessidade decorrente de doença que atinja um número reduzido de pessoas, com
a permissão de, justificadamente, quebrar regras sociais consideradas
proibitivas.
Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado,
mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da
Unorp/São José do Rio Preto/SP.
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