As Turmas que analisam direito penal no Superior
Tribunal de Justiça (STJ) estão definindo se há um novo parâmetro para a
incidência do princípio da insignificância em crimes de descaminho. O debate
começou porque diversos tribunais pelo país têm entendido que a edição da
Portaria 75 /12 do Ministério da Fazenda, ao elevar de R$ 10
mil para R$ 20 mil o valor mínimo das execuções fiscais de débitos com a União,
acabou por ampliar o patamar também para as ações penais.
Previsto no artigo 334 do CP, o crime de descaminho consiste em importar ou
exportar mercadorias sem pagar os impostos correspondentes. A pena é de
reclusão, de um a quatro
anos.
A Quinta Turma já vem julgando no sentido de afastar a
aplicação do princípio da insignificância para débitos acima de R$ 10 mil,
mantendo a jurisprudência do Tribunal. Na Sexta Turma, ainda está pendente a
definição do primeiro precedente sobre o caso (REsp 1.334.500). O julgamento
está suspenso por um pedido de vista do ministro Rogerio Schietti Cruz, mas a
relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, já votou no mesmo sentido que
a Quinta Turma.
Debate antigo
A discussão acerca do parâmetro que deve ser utilizado
para o reconhecimento do crime de bagatela em caso de descaminho é antiga. Em
virtude da Lei 10.522/02, a Procuradoria da Fazenda Nacional passou a
arquivar, sem baixa na distribuição, as execuções fiscais de débitos inscritos
por ela na dívida ativa da União, de valor igual ou inferior a R$ 10 mil. Não
se trata de extinção do crédito, e pode-se chegar à situação de a execução
fiscal ser reativada, por conta da incidência de juros e correção sobre os
valores.
A estipulação de um valor mínimo se dá por ser
dispendioso o processo de cobrança dos impostos sonegados, tanto no que se
refere a recursos materiais quanto a humanos. O estado avaliou que, nesses
casos, o valor a ser cobrado não justifica o custo da cobrança.
Acompanhando o entendimento adotado pelo Supremo
Tribunal Federal após intenso debate, a Terceira Seção do STJ, ao julgar o
Recurso Especial (REsp) 1.112.748, no rito dos recursos repetitivos, modificou
a posição que vinha tendo até então e afirmou ser insignificante para a
administração pública o valor de R$ 10 mil trazido no artigo 20 da Lei 10.522.
Desde então, as demais instâncias passaram a aplicar a tese definida no recurso
repetitivo pelo STJ, impedindo a subida de novos recursos sobre o tema.
Novo parâmetro
Ocorre que em 2012, o Ministério da Fazenda editou a
portaria que reajustou o valor mínimo das execuções para R$ 20 mil. Instâncias
ordinárias, analisando casos de condutas penais, passaram a adotar o novo
parâmetro definido na portaria.
Foi a situação trazida no REsp 1.409.973, julgado no
último dia 19. A sonegação de R$ 11.887,62 foi considerada atípica pelo juiz e
também pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região. A denúncia por descaminho
foi rejeitada e o réu, absolvido.
O ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso,
explicou que aplicar o princípio da insignificância equivale a dizer que o ato
não possui relevância jurídica, porque o bem protegido não foi exposto a dano
relevante a ponto de justificar a intervenção do direito penal. A aplicação do
princípio deve ser analisada caso a caso, pois é preciso considerar a
intensidade da lesão, explica o ministro.
Realidade sócio-econômica
Seguindo o voto do relator, a Quinta Turma deu
provimento ao recurso do Ministério Público Federal e reverteu a decisão das
instâncias anteriores. O ministro observou que não se deve confundir a
otimização da atuação da administração pública com a suposta insignificância de
valor que não pode ser tido como irrisório, ainda mais tendo em conta a “realidade sócio-econômica do país”.
Bellizze considera incontroverso que não é possível majorar o parâmetro de R$ 10 mil, utilizado na esfera penal, por meio de portaria do ministro da Fazenda. “Portaria emanada do Poder Executivo não possui força normativa passível de revogar ou modificar lei em sentido estrito”, disse.
Bellizze considera incontroverso que não é possível majorar o parâmetro de R$ 10 mil, utilizado na esfera penal, por meio de portaria do ministro da Fazenda. “Portaria emanada do Poder Executivo não possui força normativa passível de revogar ou modificar lei em sentido estrito”, disse.
Além do que, conclui o ministro Bellizze, trata-se de
um patamar jurisprudencial e não legal, porque a insignificância penal não está
na lei. Segundo ele, não há falar em vinculação penal e administrativa, a ponto
de fazer com que o valor considerado para efeito da bagatela criminal fosse
alterado toda vez que se elevasse o patamar para ajuizamento de execução
fiscal.
Precedente
Em outro caso, julgado no início de novembro (REsp
1.392.164), a Quinta Turma manteve ação penal pelo descaminho de mercadorias
que resultou no não pagamento de R$ 12.442,32 em impostos. Denunciados por
descaminho, os réus foram absolvidos em razão da aplicação do princípio da
insignificância. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou a decisão
de primeiro grau.
Houve recurso do Ministério Público Federal ao STJ. Em
decisão individual, o relator, ministro Moura Ribeiro, afastou a rejeição da
denúncia e determinou o prosseguimento da ação. Os réus recorreram para que o
caso fosse levado a julgamento na Quinta Turma.
A decisão do ministro relator foi confirmada pelo órgão
colegiado. No caso julgado, a quantia devida era superior a R$ 12 mil apenas em
razão do Imposto de Importação e do Imposto sobre Produtos Industrializados não
recolhidos.
Processo: REsp 1392164, REsp
1112748, REsp 1409973, REsp 1334500
Fonte: Superior Tribunal de
Justiça
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