Em procedimento raro, o Ministério Público de
Minas Gerais pediu, e conseguiu, um Habeas Corpus no
Supremo Tribunal Federal. A decisão beneficiou um homem preso preventivamente
pelo roubo de R$ 160. O crime ocorreu em junho deste ano, na comarca de
Araguari (MG). Segundo a denúncia, o acusado, acompanhado de um comparsa,
derrubou a vítima de uma bicicleta e roubou o dinheiro.
Investigado pela Polícia, o suspeito teve a
prisão preventiva decretada pela Justiça. Ao justificar o pedido, o delegado
disse que o acusado tinha antecedentes criminais — dez inquéritos, três
mandados de prisão e mais de dez prisões. O MP, entretanto, manifestou-se
contra a prisão do acusado, pois, ao consultar o sistema de mandados de prisão,
constatou que não havia nenhuma ordem de encarceramento contra ele. Por isso,
entrou com o pedido de Habeas Corpus no Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
O HC foi negado tanto na corte estadual
quanto no Superior Tribunal de Justiça. No STJ, a negativa foi dada pelo
ministro Marco Aurelio Bellizze, que indeferiu a liminar. Ao chegar ao STF, o
ministro Gilmar Mendes acolheu os argumentos do Ministério Público e afastou a
Súmula 691 da corte, que proíbe a análise de HC contra decisão liminar de
tribunal superior.
Segundo o promotor André
Luís Alves de Melo, que pediu o HC, a prisão ocorreu sem
processo, contra pedido do MP e sem que o acusado tivesse condenação
anterior, apesar de algumas passagens policiais. No HC, o promotor diz que não
pleiteia o trancamento da Ação Penal contra o acusado, mas que ele responda em
liberdade até a definição de sua pena. E argumenta que, caso seja aguardado o
julgamento de mérito do HC no TJ-MG, o acusado cumprirá em regime fechado uma
pena que, ao fim do processo, será cumprida no regime aberto ou semiaberto.
“A
atuação do magistrado ao decretar uma prisão preventiva, mesmo com o parecer
contra da acusação, titular da ação processual penal, o torna inegavelmente um
juiz-inquisidor, rompendo com a exigência e crença na imparcialidade judicial”, diz
o promotor na peça.
No pedido de HC, o promotor afirma que
prisões preventivas devem ser decretadas contra criminosos de maior potencial
ofensivo, como homicidas, assaltantes de cargas, estelionatários, latrocidas e
autores de crimes contra a Administração Pública. “A política criminal em Minas Gerais é de tolerância zero com pobre e
preto e de laissez-faire com os crimes mais inteligentes ou praticados por quem tem melhor
estrutura social”, diz a promotor. Em sua região, o acusado alvo do pedido
de HC do promotor é conhecido como "Diego
Preto".
Minority Report
A Promotoria afirma que o caso se assemelha
ao filme Minority Report, no qual
pessoas são presas antes de cometerem os crimes. No caso, o juízo criminal
justificou a prisão preventiva com a alegação de garantia à ordem pública,
segurança à aplicação da Lei Penal e conveniência à instrução criminal.
No STF, o ministro Gilmar Mendes disse que
não era possível constatar os riscos apontados pelo juízo de origem. “A liberdade de um indivíduo suspeito da
prática de infração penal somente pode sofrer restrições se houver decisão
judicial devidamente fundamentada, amparada em fatos concretos e não apenas em
hipóteses ou conjecturas, na gravidade do crime ou em razão de seu caráter
hediondo”, disse o ministro.
“É
alvissareira a decisão do STF, assim como o writ constitucional manejado pelo agente do MP”,
afirma o procurador de Justiça do Rio Grande do Sul Lenio Streck. Segundo ele,
nesse caso, o MP agiu como fiscal da lei, demonstrando que o papel da
instituição não se resume a ser apenas parte no processo.
“O
procurador da República ou promotor ou procurador de Justiça são agentes que
devem cuidar dos direitos não só da sociedade, como também dos indivíduos. Por
isso, o MP pode pedir a absolvição do réu. Por isso ele é diferente do
advogado. Por isso ele não é apenas parte”, afirma.
O advogado criminalista Paulo Sérgio Leite Fernandes comemorou a iniciativa. "O Ministério Público deveria
transformar isso em hábito", diz.
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