quinta-feira, 27 de junho de 2013

Dados inéditos sobre o sistema prisional

Os 1.598 estabelecimentos prisionais inspecionados em março de 2013 pelos membros do Ministério Público em todo o Brasil têm capacidade para 302.422 pessoas, mas abrigam 448.969 presos. O déficit é de 146.547 vagas (48%). A maioria dos estabelecimentos não separa presos provisórios de definitivos (79%), presos primários dos reincidentes (78%) e os conforme a natureza do crime ou por periculosidade (68%). Entre março de 2012 e fevereiro de 2013, nas prisões inspecionadas, foram registradas 121 rebeliões e 769 mortes. Houve apreensão de droga em 40% dos locais inspecionados e foram registradas mais de 20 mil fugas, evasões ou ausência de retorno após concessão de benefício. Ao mesmo tempo, houve recaptura de 3.734 foragidos.

Os dados inéditos estão no relatório “A Visão do Ministério Público sobre o Sistema Prisional Brasileiro” elaborado pela Comissão de Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e divulgado nesta quinta-feira (27/6), durante o IV Encontro Nacional do Sistema Prisional. O levantamento foi feito com base nas inspeções do Ministério Público no sistema prisional brasileiro, previstas na Lei de Execução Penal (Lei n. 7.219/84) e regulamentadas pela Resolução CNMP nº 56/10.

Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Caberá ao Tribunal do Júri analisar incidência de qualificadora em homicídio motivado por ciúme

Durante a sessão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) desta terça (18), os ministros entenderam que cabe ao Tribunal do Júri analisar a incidência da qualificadora “motivo fútil” em um homicídio triplamente qualificado. Por maioria dos votos, a Turma negou pedido de Habeas Corpus (HC 107090) impetrado por M.M.N., acusado de ter matado um homem ao flagrá-lo com sua ex-mulher. 

A defesa do acusado pretendia afastar a incidência do motivo fútil, aplicando o entendimento de que o ciúme não qualifica o crime, pois não pode ser considerado motivo fútil ou torpe. 

Os advogados sustentaram que havia um indício de reconciliação no relacionamento e, por essa razão, o acusado teria sido tomado pela surpresa ao flagrar sua ex-mulher com outro homem. “É evidente que tal fato não é insignificante e pífio”, sustentou a defesa ao pedir a não aplicação de motivo fútil para qualificar o crime. “Trata-se de uma qualificadora absolutamente excessiva e inadequada em razão dos fatos apresentados”, argumentou. 

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), ao dar provimento a um recurso interposto pela defesa contra a sentença de pronúncia, entendeu que ciúme não é motivo fútil e afastou essa qualificadora. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o pedido do Ministério Público foi acolhido no sentido da manutenção da decisão inicial, que aplicou a qualificadora de motivo fútil ao caso concreto. 

Julgamento 

Em abril de 2011, quando a análise desse HC teve início, o ministro Ricardo Lewandowski (relator) votou no sentido de negar o pedido. Para ele, o juiz, na sentença de pronúncia, pode considerar tal qualificadora, desde que ela venha descrita adequadamente na denúncia. “Ele tem essa discricionariedade em permitir que o Júri o faça”, disse. 

“Só cabe a glosa por parte do tribunal se houver um divórcio entre a sentença de pronúncia e aquilo que está nos autos e, sobretudo, na denúncia. Nesse caso não houve, mas quem é soberano para decidir é o Júri”, afirmou o relator. Ele observou que o juiz faz uma espécie de sumário na pronúncia para facilitar a apreciação do caso pelo Tribunal do Júri, que é integrado por juízes leigos. 

Naquela ocasião, os ministros Luiz Fux e Marco Aurélio votaram pela concessão da ordem, a fim de afastar a incidência do motivo torpe. Ao abrir a divergência, o ministro Fux destacou que o acusado estava movido de uma “violenta emoção” e já está respondendo por homicídio e também por meio cruel utilizado na prática do crime. No julgamento de hoje, o ministro Marco Aurélio reafirmou seu posicionamento, mas salientou que o ciúme não justifica o homicídio. 

Voto-vista 

A ministra Cármen Lúcia acompanhou o voto do relator pela negativa do habeas corpus. “Não que o ciúme nunca possa ser considerado um motivo fútil, mas não vejo como afastar a qualificadora e impedir que o Júri verifique se realmente era essa circunstância que ocorreu no caso concreto”, ressaltou a ministra. 

Ela citou jurisprudência do Supremo sobre homicídio passional no sentido de que seria quase uma vingança, “portanto, justiça feita pelas próprias mãos de maneira muito cruel e de forma a dificultar a defesa da vítima”. A ministra esclareceu que, se a qualificadora não estiver na pronúncia, o Júri não pode decidir que ela ocorreu no caso. 

“Da leitura da peça acusatória e da sentença [de pronúncia], me parece que, tal como concluiu o relator, há elementos que comprovam que não houve excesso nenhum da parte do juiz ao pronunciar”, salientou a ministra, citando jurisprudência nesse sentido (HC 83309). Do mesmo modo, votou o ministro Dias Toffoli, formando a maioria dos votos. 

Fonte: Supremo Tribunal Federal
EC/AD

Pedido de exame criminológico para conceder progressão de pena deve ser fundamentado

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu o direito de progressão para o regime semiaberto a um homem condenado a mais de 11 anos de prisão pela prática de roubos duplamente qualificados. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) tinha revogado a decisão concessiva do benefício para realização de exame criminológico. 

Desde 2003, com a entrada em vigor da Lei 10.792, o exame criminológico deixou de ser obrigatório para a progressão de regime. Para ter direito ao benefício, basta ao apenado cumprir ao menos um sexto da pena no regime anterior (se a condenação não for por crime hediondo) e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento. 

Motivação concreta 

Em nenhum momento a lei faz referência ao exame criminológico, mas nada impede que o juiz solicite a realização do exame. Essa determinação, contudo, precisa ser concretamente motivada. 

No caso em questão, o ministro Og Fernandes, relator, não considerou suficientes os argumentos do acórdão para exigir a realização do exame. Em seu voto, citou trechos da decisão do TJSP. 

Segundo o tribunal paulista, “alguém que cometeu apenas um delito leve não pode ser comparado com aquele que cometeu dois roubos duplamente qualificados. Este muitas vezes deve ser submetido a exame criminológico, pois já está enraizado com a prática criminosa, não bastando mero bom comportamento para comprovar que está empenhado em sua recuperação”. 

Para o ministro, o acórdão “fundamentou-se, tão somente, na gravidade abstrata do delito e na longevidade da pena, circunstâncias que, segundo pacífico entendimento desta Corte, não constituem motivação apta a exigir a realização de exame criminológico”. 

Por unanimidade, a Turma determinou que fosse restabelecida a decisão do juízo das execuções penais que concedeu a progressão de regime.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça
HC 268639
http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=14604

Retroatividade de lei sobre prazo para registro de armas é tema de repercussão geral

O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência de repercussão geral na matéria tratada no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 674610, em que se discute a extinção ou não da punibilidade do delito de posse irregular de arma de fogo de uso permitido, em razão da aplicabilidade retroativa de lei que concedeu novo prazo para registro de armas. 

No caso concreto, um lavrador foi denunciado em 2007 pela posse ilegal de seis armas de fogo e munição e condenado pelo juízo da Comarca de Corumbá de Goiás pelo crime do artigo 12 da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). O prazo inicial para que os proprietários de armas ainda não registradas solicitassem o registro (artigo 30 do Estatuto) era 23/6/2005. Duas normas posteriores, porém, estenderam esse prazo – a Medida Provisória 417, convertida na Lei 11.706/2008, com prazo até 31/1/2008, e a Lei 11.922/2009, até 31/12/2009. 

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), ao julgar apelação, extinguiu a punibilidade do réu com o entendimento de que sua conduta estaria abrangida pela Lei 11.922/2009, ou seja, ele ainda estaria dentro do prazo para regularizar o registro das armas. 

Contra essa decisão, o MP-GO interpôs o recurso extraordinário ao STF, alegando que as normas em questão não constituem abolitio criminis (abolição do crime), porque foram editadas como medida “despenalizadora” destinada a permitir a regularização da posse ilegal de armas no curso de sua vigência. 

Normas 

O relator do processo, ministro Luiz Fux, esclareceu que a discussão jurídica no recurso diz respeito à tipicidade da conduta de posse irregular de arma de fogo de uso permitido ocorridas entre o prazo inicialmente previsto no estatuto e os demais prazos estabelecidos pelas normas posteriores. “A reabertura do prazo para registro ou renovação implica abolitio criminis [abolição do crime] em relação àqueles que estavam irregularmente na posse de arma de fogo após 23/6/2005?”, indaga o ministro. 

De acordo com o relator, desde a redação original do Estatuto do Desarmamento, “nunca houve previsão explícita de abolitio criminis, ou mesmo de que a eficácia do artigo 12 da lei estaria suspensa temporariamente”. Ele esclareceu que “a doutrina e a jurisprudência, mediante interpretação sistêmica, concluíram que, no prazo assinalado em lei, haveria presunção de que o possuidor de arma de fogo irregular providenciaria a normalização do seu registro (artigo 30) no prazo legal”. 

Manifestação 

Segundo o ministro, encerrado prazo legal para a regularização das armas até 23/6/2005, “passou a ter plena eficácia o crime de posse de arma de fogo de uso permitido previsto no artigo 12 do estatuto”. No seu entendimento, nos períodos de 24/6/2005 a 30/1/2008 e de 1º/1/2009 a 13/4/2009, o possuidor de arma não poderia providenciar a regularização do seu registro nem alegar boa-fé ou invocar em seu favor a adoção de providências nesse sentido. “Na prática, isso não seria possível, ante o encerramento do prazo para tal”, assinalou. 

Ao apontar a existência de repercussão geral na matéria, o ministro afirmou que “é incabível cogitar da retroatividade da Medida Provisória 417 para extinguir a punibilidade do delito de posse de arma de fogo cometido antes da sua entrada em vigor”, devido à impossibilidade da regularização do registro quando da prática do crime. Posicionou-se, assim, pela aplicação de jurisprudência do Supremo no sentido da irretroatividade do prazo previsto na Lei 11.706/2008, citando, entre outros precedentes, o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 111637, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, e o HC 96168, de relatoria do ministro Eros Grau (aposentado). 

Com tais fundamentos, o ministro, depois de reconhecer a repercussão geral da matéria, manifestou-se pela reafirmação da jurisprudência desta Corte e pelo provimento do RE “para considerar penalmente típicas as condutas de posse de arma de fogo de uso permitido ocorridas após 23/06/2005 e anteriores a 31/01/2008”. 

Em deliberação no Plenário Virtual da Corte, os ministros, por maioria, reconheceram a existência de repercussão geral da questão suscitada, mas, no mérito, não reafirmaram a jurisprudência do Supremo sobre a matéria. Assim, a questão será submetida, oportunamente, a julgamento pelo Plenário do STF. 

Fonte: Supremo Tribunal Federal
DV/AD

terça-feira, 11 de junho de 2013

Princípio da insignificância não se aplica a furto de cavalo


Independentemente da raça e do estado físico do animal, o princípio da insignificância não pode ser aplicado a furto de cavalo, segundo entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

Por furtar um cavalo com arreio completo de montaria e uma bolsa com R$ 40, o réu foi condenado à pena de um ano e quatro meses de reclusão em regime semiaberto. Como não era reincidente, teve a pena diminuída.
 

Em habeas corpus no STJ, a defesa pediu sua absolvição, levando em consideração o valor irrisório dos bens furtados e a posterior devolução do cavalo e de parte do dinheiro.
 

O ministro Og Fernandes, relator do processo, afirmou que para o princípio da insignificância ser aplicado, quatro requisitos devem ser obedecidos: “Mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.”
 

Valor significativo

Para o ministro, apesar de não constar o valor do cavalo no laudo de avaliação econômica dos bens furtados, “o animal subtraído, independentemente da raça e ainda que estivesse em condições físicas precárias, tem valor significativo no mercado, não podendo ser considerado bem de valor irrisório ou irrelevante”, afirmou.
 

Somando-se o cavalo ao arreio de montaria – avaliado em R$ 50 –, mais o valor da bolsa e os R$ 40 em espécie, o valor total envolvido no delito ultrapassa aquele comumente utilizado pelo STJ para aplicação da insignificância. Principalmente se levado em consideração que o salário mínimo na época do crime era de R$ 380.
 

Além disso, para o ministro, a simples restituição dos objetos também não é razão suficiente para aplicação do princípio.
 

Fonte: Superior Tribunal de Justiça
http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=109918&utm_source=meme&utm_medium=facebook&utm_campaign=decisoes

Decisão STF: trancamento de ação penal de competência do tribunal do juri


Dando conta da promessa lançada no início deste ano judiciário por seu presidente, segue em evidência a atuação do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento de recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida. Na mais recente decisão de caso dessa natureza, os Ministros empreenderam longos e intensos debates sobre os limites do trancamento de ação penal por órgãos judiciais em matéria de competência do Tribunal do Júri (RE 593.443, Rel. Min. Marco Aurélio).

A repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do RE (recurso extraordinário) foi introduzida no ordenamento pela emenda constitucional da reforma do Judiciário, de nº 45/2004 (art. 102, § 3º), e regulamentada por lei de 2006, que acrescentou dispositivos ao Código de Processo Civil (arts. 543-A e 543-B). Cabe ao recorrente demonstrar que a matéria constitucional que é objeto do RE possui repercussão geral, assim entendida a que seja relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, ultrapassando os interesses subjetivos do caso concreto. É questão que, uma vez resolvida, tem o condão de se espraiar para muitos outros casos, cujos julgamentos ficam suspensos até que seja julgado o mérito do RE em que houver sido reconhecida a repercussão geral.

Em março de 2009, seis meses após chegar ao STF, o RE 593.443 teve repercussão geral reconhecida, tanto pela sensibilidade social da situação de fato subjacente, como pela relevância jurídica do questionamento de índole constitucional que lhe era objeto.

Trata-se de caso em que, em meio a atividades de recepção de novos estudantes de renomada Faculdade de Medicina do país – o “trote” dado a “calouros” por “veteranos” – ocorreu a morte por afogamento de um estudante, a qual foi imputada, pelo MP (Ministério Público) estadual, a um grupo de alunos da instituição, que figuravam, assim, como réus na ação penal. O caso, que gerou forte comoção quando do acontecimento, há cerca de quatorze anos, teve seu trancamento determinado em sede de HC (Habeas Corpus) julgado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), em abril de 2008, por ausência de justa causa para a ação penal e inépcia da denúncia, diante da falta de individualização das condutas de cada um dos réus na acusação.

Em face da decisão do STJ, o MP interpôs o RE que veio a ser julgado pelo STF, alegando que o trancamento da ação por esse órgão judicial implicava cerceamento à função institucional do MP na propositura de ação penal pública (CRFB, art. 129, I), bem como usurpação da competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (CRFB, art. 5º, XXXVIII, d). Foi esta a questão constitucional posta à prova no STF e que suscitou divergências entre os Ministros da Corte.

De um lado, formou-se o entendimento, inaugurado pelo voto do Relator, no sentido de que teria havido ofensa a um dos postulados constitucionais invocados pelo MP no RE 593.443, o que determinaria o provimento do recurso e a retomada da ação penal. Invocando precedentes tanto do Pleno quanto das Turmas do próprio STF, o Min. Marco Aurélio asseverou que o princípio pro societate é o que deve pautar a atuação do julgador no momento do recebimento da denúncia, em que se verificam tão somente a probabilidade da ocorrência da infração e indícios suficientes da autoria, e não certeza moral quanto à ocorrência do fato, da autoria e da culpabilidade, questões essas que devem ser apuradas ao longo do processo de conhecimento e, se presentes, levar à condenação, ao final. Essa “prova mínima” de fato típico, antijurídico e culpável já se traduz em justa causa para a persecução penal. Impedir que a ação penal se desenvolva, promovendo seu trancamento, notadamente pela via do HC, é medida excepcional, que somente se justifica quando os fatos não consubstanciem crime, haja prescrição ou defeito de forma na peça inicial apresentada pelo MP.  Embora permita uma cognição ampla, podendo ser concedido até mesmo de ofício, para que o HC leve ao trancamento da ação, ponderou o Min. Relator, é necessário que haja “clara demonstração da ilegalidade da coação ou da ameaça” que representaria o prosseguimento da ação penal. “A prova dúbia, incompleta ou contrariada por outros elementos não autoriza pronunciamento favorável” à pretensão de trancamento da ação penal. E concluiu que, no caso, o STJ, ao proceder à valoração e ao cotejo analítico de provas, testemunhos e perícias médicas, teria “adentrado seara imprópria à ação de HC”, substituindo-se tanto ao juízo ao qual competiria receber ou não a denúncia, quanto ao Tribunal do Júri, cuja competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida é fixada pela Constituição.

Esse último aspecto foi ressaltado pelo Min. Teori Zavascki, ao afirmar que, “justamente em função de o STJ ter feito exame aprofundado e exaustivo das provas”, haveria motivos para provimento do RE. O STJ, no entender do Ministro, teria feito “juízo típico de Tribunal do Júri”, que foi assim antecipado por via do HC, usurpando a competência, pois, daquele que seria o julgador natural da causa. Ressaltou, contudo, ser essa sua única convicção em relação ao caso e, assim como o Min. Marco Aurélio, não se pronunciou quanto ao mérito da ação penal propriamente dito.

Essa linha de entendimento, contudo, não foi a que prevaleceu. Inaugurando a divergência ao final acompanhada pela maioria de seus pares, o Min. Ricardo Lewandowski ressaltou que o STJ procedeu como devido, ao cotejar a denúncia com os requisitos estabelecidos pelo art. 41 do CPP (Código de Processo Penal), concluindo que o MP não teria conseguido demonstrar que as condutas teriam sido praticadas com a intenção de alcançar o resultado danoso, nem mesmo que teriam sido os acusados os responsáveis pelo ocorrido; tampouco teria havido a narrativa individualizada das condutas dos réus. Diante desse quadro, estariam configuradas a falta de justa causa para a ação penal e a inépcia da denúncia, o que determinaria o trancamento da ação penal. O exame das provas documentais constantes dos autos para confronto da denúncia com o art. 41 do CPP, afirmou o Ministro, é perfeitamente cabível em sede de HC – o que, aliás, o próprio STF, seja em órgão pleno, seja nas Turmas, faz rotineiramente.

A esse respeito, salientou o Min. Celso de Mello que, havendo elementos documentais que evidenciem uma determinada pretensão, é legítimo ao Poder Judiciário analisar os fatos subjacentes para decidir, podendo o HC, por sua própria finalidade constitucional, resultar em provimento de natureza declaratória, cautelar ou até mesmo, como no caso de trancamento da ação penal, constitutiva negativa. O Ministro foi categórico ao afirmar que “o controle jurisdicional da admissibilidade da ação penal, mais do que um poder, é um dever, e não importa ofensa aos arts. 129, I e 5º, XXXVIII, d, da Constituição”. Devem ser evitadas acusações temerárias, de forma que a denúncia, sendo destituída de base empírica idônea, não pode prosperar. É assim que o reconhecimento de ausência de justa causa para a ação penal, embora excepcional, pode ser feito em sede de HC, podendo levar até mesmo à absolvição.

Como destacou o Min. Gilmar Mendes, a se levarem às últimas consequências os argumentos invocados no RE, todo e qualquer ato que afetasse o desenvolvimento do processo na ação por crime de homicídio doloso caracterizaria lesão à competência constitucional do Júri – até mesmo a absolvição sumária por parte do juiz seria inconstitucional. O fato de se ter reconhecido repercussão geral ao caso traz à discussão um argumento ainda mais sensível, na medida em que a conclusão alcançada pelo STF quanto à questão constitucional suscitada se projetaria para inúmeros outros casos.

As Ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia integraram a maioria, negando provimento ao recurso, por não ter havido ofensa aos arts. 129, I, e 5º, XXXVIII, d, da Constituição, embora a princípio houvessem votado pelo não conhecimento do RE – aspecto em que ficaram vencidas, tendo prevalecido o entendimento de que o juízo de admissibilidade do recurso teria se esgotado, por ocasião da decisão que reconheceu a repercussão geral da matéria constitucional suscitada.

Último a se pronunciar, o Presidente do STF ficou dentre os Ministros vencidos. De maneira contundente, fez consignar que o que deveria ser discutido era o fato de que “um jovem de minoria étnica foi vítima de grande violência”; se teriam os acusados participado dos atos, se seriam culpados, não caberia a “um órgão burocrático do Judiciário” decidir, e sim ao Júri, cuja competência teria sido, pois, usurpada pelo STJ, cuja conduta deveria ser censurada. E concluiu que, ao decidir pelo desprovimento do RE, o STF estaria “chancelando a impossibilidade de punição de quem cometeu um crime bárbaro”, “que essa triste história seja esclarecida”.

O tom da manifestação do Min. Joaquim Barbosa talvez seja representativa da eventual dificuldade que muitos, dentro e fora do meio jurídico, tenham para compreender certos posicionamentos do Judiciário, em geral, e do STF, em especial. Afinal, um caso de contornos tristes e nebulosos, como reconhecido por todos os Ministros, e que tanta comoção suscitou, parece ter ficado sem solução à altura de seu significado. Nem sempre é fácil compreender ou aceitar a missão institucional de índole garantista do STF. Mas ela é indubitavelmente inerente e essencial à função do órgão de guarda da Constituição em um Estado democrático de Direito. Como salientou o Min. Celso de Mello, o processo penal não pode ser mecanismo de imposição de arbítrio do poder público, estabelecendo, em verdade, restrições a MP, polícias e até ao próprio Judiciário. Se as engrenagens do sistema não funcionam a contento, não pode o STF vendar seus olhos, devendo enfrentar o problema detectado, de forma a corrigi-lo, dentro das balizas constitucionais – ainda que o resultado seja tão somente a constatação, de gosto amargo, de que os órgãos incumbidos da investigação e persecução penal deixaram de agir em conformidade com os ditames da lei.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

STJ não pode inovar para impedir regime mais brando

O Superior Tribunal de Justiça não pode inovar na fundamentação para justificar a fixação de regime desfavorável ao réu. O entendimento é do ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski em Habeas Corpus de um ex-delegado da Polícia Civil condenado por peculato. A liminar suspende a execução da pena até o julgamento definitivo do caso.
Condenado em primeira instância a seis anos e oito meses de prisão, em regime inicial semiaberto, o ex-delegado conseguiu reduzir a pena no STJ para três anos, um mês e dez dias. Segunda a defesa, isso lhe daria direito ao regime aberto e à substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. O STJ, porém, negou o pedido com a justificativa de que “remanesce uma circunstância judicial valorada de forma negativa e que justifica a manutenção da imposição do semiaberto”.
No STF, Lewandowski acolheu os argumentos da defesa do ex-delegado, represtando pelo advogadoFabio Tofic. "A alegação de que o STJ não poderia inovar na fundamentação adotada para justificar a fixação do regime inicial semiaberto, tendo em vista tratar-se de writ manejado pela defesa, merece acolhida", disse o ministro.
Ele acrescentou ainda que “a Corte Superior [STJ] extrapolou os limites aos quais estava jungida, ao se utilizar de circunstâncias desconsideradas pela instâncias ordinárias para manter o regime prisional fixado”.
Nos Embargos de Declaração no STJ, o relator, ministro Jorge Mussi considerou que a conduta do réu não recomenda a substituição da privação de liberdade pela restrição de direitos, e que essa restrição está prevista no Código Penal.
"A substituição pretendida não se mostra suficiente à prevenção e repressão da conduta pela qual o paciente foi condenado, nos termos do artigo 44, inciso III, do Código Penal, entendimento que se mostra alinhado ao postulado da isonomia invocado pelo embargante no recurso integrativo, já que, conforme assinalado, a atuação do paciente se mostrou mais reprovável do que a do corréu", disse Mussi.
Na petição, Tofic afirma que "não poderia o STJ suprimir duas instâncias de julgamento e acrescentar motivo não contido nas decisões anteriores para negar dois direitos, o regime mais brando e a pena alternativa, ambos aos quais o paciente passou a fazer jus no momento em que a única circunstância que os obstava — a quantidade da pena imposta, originalmente de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses – fora removida com a redução para 3 (três) anos e 1 (um) mês no julgamento do habeas corpus julgado no próprio STJ”.
Processo no STF: 117.923 
Processo no STJ: HC 234.861-SP

Fonte: Revista Consultor Jurídico
Elton Bezerra