Acuado pela PEC 37 - a emenda
constitucional que alija os promotores e procuradores de investigações
criminais -, o Ministério Público teme agora perder seu mais poderoso
instrumento no combate à corrupção. Projeto do senador Ivo Cassol (PP-RO) impõe
drástica mudança na Lei da Improbidade Administrativa (8.429/92), com
alterações em 12 artigos. O projeto chegou à Comissão de Constituição e Justiça
do Senado.
A Lei da Improbidade está em vigor há 21 anos e propiciou a punição em
todo o País de milhares de políticos e administradores públicos, que se
tornaram inelegíveis e foram afastados de suas funções, além de condenados a
ressarcir danos ao Tesouro.
O próprio Cassol - ex-governador
de Rondônia por duas vezes - é alvo de frequentes investigações e ações do
Ministério Público, inclusive no plano eleitoral. Em janeiro, a Justiça cassou
seus direitos políticos por cinco anos. Segundo procuradores federais, em 2006
foi descoberto caso de compra de votos que beneficiaria Cassol. Ele recorreu.
Hoje responde a cinco ações judiciais, segundo sua assessoria.
Na avaliação de procuradores, a medida quebra a espinha dorsal das
Promotorias de Defesa do Patrimônio Público e fulmina os pontos vitais da norma
que freia atos ímprobos e faz valer os princípios do artigo 37 da Constituição
- moralidade, honestidade e
impessoalidade. Consideram que o projeto atinge o coração da instituição,
que exerce o papel de guardiã da democracia e fiscal da lei.
O projeto causa enorme inquietação nas promotorias porque invade a
própria Lei Orgânica Nacional do MP (Lei 8.625/93) com previsão de
responsabilização criminal - pena de
detenção de seis meses a dois anos, sem prejuízo de ação civil - do membro
da instituição que fizer declarações públicas imputando a réu ou indiciado em
investigação ou processo criminal fato ofensivo à sua reputação, à sua condição
jurídica de inocente ou ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.
Para os promotores, essa parte do projeto quer submetê-los à Lei da
Mordaça.
Sobre a fatia do texto relativa à improbidade eles alertam para a
exclusão da responsabilidade do agente público negligente e imprudente que
causa lesão ao patrimônio público. Além disso, "em detrimento do interesse público maior", ficam
excluídos de indisponibilidade os bens de família do servidor acusado. Destacam
que a legislação firma que "o
caráter de bem de família não tem a força de obstar a determinação de sua
indisponibilidade nos autos de ação civil pública, pois tal medida não implica
expropriação daquele bem".
"Querem tornar inócua a Lei de
Improbidade", adverte o
procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa. "De forma indireta pretendem revogar
essa norma tão importante provocando um consequente esvaziamento da Lei da
Ficha Limpa."
Elias Rosa pondera que no bojo da crise que se instalou em torno do
Ministério Público e sua atuação "surge
toda semana uma proposta oportunista".
Promotores alertam que o projeto torna taxativo o rol de hipóteses do
artigo 10, que hoje é exemplificativo, afastando a possibilidade de o agente
cometer ato de improbidade mediante conduta culposa, pois passa a exigir "culpa grave".
O texto reduz a multa ao servidor condenado - hoje de até duas vezes o valor do dano. Afasta a possibilidade da
perda da função, prevendo suspensão de 120 dias do cargo, e diminui o prazo de
suspensão dos direitos políticos. Segundo o Ministério Público, o projeto impõe
que tudo esteja provado antes mesmo do ingresso da ação - na prática, trava a ação.
Contas
Nilo Spínola, experiente procurador do Ministério Público paulista,
pondera que o projeto frustra a Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar
64/90) e afronta a Constituição ao impor que a aprovação das contas do gestor
público, pelo Tribunal de Contas, impede a aplicação de sanções - salvo multa, perda da função e suspensão dos
direitos políticos.
Ele aponta inconstitucionalidades do texto ao prever que as ações
destinadas a promover as sanções podem ser propostas até cinco anos após o
término do exercício de mandato e até dez anos após a data da efetiva
ocorrência do dano ao erário. O artigo 37 da Constituição impõe que a ação de
ressarcimento do patrimônio público é imprescritível.
Em sua justificativa, Ivo Cassol argumenta. "Deixar aberta a possibilidade de ação configura-se agressão à
garantia da paz social. Agredir esse valor seria farpear a própria ordem
pública."
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Política
Fausto Macedo
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