segunda-feira, 15 de abril de 2013

Número de adolescentes apreendidos em SP aumenta 138% em dez anos


O número de adolescentes apreendidos pela polícia no Estado de São Paulo mais do que dobrou nos últimos dez anos. Em 2012, foram 12.392, segundo a Secretaria de Segurança Pública - um aumento de 138% em relação a 2002. Esse crescimento foi quase o triplo do que o registrado entre os maiores de idade presos nesse mesmo período (48%), o que, segundo especialistas, evidencia um surto de criminalidade entre adolescentes.

Dados de outros órgãos estaduais também apontam para um aumento nas ocorrências de crimes entre menores de 18 anos e no número de internações determinadas pela Justiça. Entre o fim de 2002 e o início deste mês, a quantidade de adolescentes internados na Fundação Casa cresceu 37% e chegou ao recorde de 9.016. Além disso, o número de casos que passam pela Promotoria da Infância e Juventude subiu 78% nos últimos 12 anos. Foram 14.434 processos em 2012, envolvendo desde agressões verbais contra professores e furtos até tráfico e homicídios. 

A discussão sobre o que fazer com os jovens em conflito com a lei avançou na última semana após a morte do universitário Victor Hugo Deppman, de 19 anos. O suspeito de matá-lo é um jovem que completou 18 anos na sexta-feira. “Está havendo uma escalada na participação de menores na prática de crimes. Há uma percepção cada vez maior de que há impunidade para adolescentes infratores, o que estimula novos entrantes na criminalidade”, afirmou o consultor de segurança e coronel reformado da PM José Vicente da Silva. 

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), deve ir pessoalmente a Brasília nesta semana para entregar um projeto que pune com mais rigor jovens que cometerem delitos graves, além de encaminhar o adolescente para o sistema prisional após completar 18 anos. 

Lotação. O crescimento nas internações de adolescentes também pressiona a infraestrutura da Fundação Casa, que tem hoje 8,7 mil vagas. Dados obtidos pelo Estado, por meio da Lei de Acesso à Informação, mostram que, em dezembro de 2012, três em cada quatro unidades da Fundação Casa abrigavam mais adolescentes do que sua capacidade. Apenas 30 dos 143 equipamentos tinham lugares ociosos. 

O principal motivo não são os crimes que terminam em morte, mas sim as internações por tráfico de drogas, ato que já representa 41,8% do total - os latrocínios, como no caso do universitário morto, são apenas 0,9%. “Há um excesso de condenação, mesmo com jurisprudência de que a internação por tráfico só deve ser feita em caso de reincidência, descumprimento de medida socioeducativa ou emprego de violência”, afirmou a presidente da fundação, Berenice Giannella. 

Apesar do aumento de quase 30% no número de vagas na Fundação Casa desde 2006, há unidades funcionando com até 50% mais adolescentes do que o previsto. É o caso de uma unidade de semiliberdade na zona leste da capital ou de uma de internação na região de Campinas - a regional com maior índice de lotação, com 12% a mais de internos do que vagas. 

Ariel de Castro Alves, vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ressalta que houve um grande avanço nas condições de atendimento a adolescentes infratores após a criação da Fundação Casa, em 2006. “Mas existe a postura no Judiciário de que, quanto mais vaga houver, mais eles vão encaminhar menores.” 

Segundo ele, um dos aspectos negativos do excesso de internações é o aumento da insatisfação dos adolescentes. “Isso causa tumultos e até rebeliões”, disse. O presidente do sindicato dos trabalhadores da Fundação Casa, Júlio Alves, concordou. “Há funcionários para atender só até a capacidade da unidade.” 

Já a presidente da fundação afirma que novos funcionários estão sendo contratados. “A maioria das unidades são pequenas e têm poucos adolescentes a mais. Não há queda na qualidade do serviço”, ressaltou Berenice. 

Pôr jovem na cadeia não resolve, diz jurista 

A modificação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proposta pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) pode aumentar ainda mais a lotação do sistema prisional e não diminuir a criminalidade, segundo juristas consultados pela reportagem. A proposta enfrenta resistência até de quem concorda com a redução da maioridade penal, que hoje é de 18 anos. 

O aumento no rigor com que são aplicadas penas a adolescentes é defendido por quem acredita que as regras propostas pelo ECA, em 1990, e pela Constituição, em 1988, não acompanharam a escalada da violência. Por outro lado, há quem entenda que o Estado deve tentar evitar que o jovem tenha contato com a criminalidade antes de puni-lo. 

Promotor da Vara da Infância e Juventude desde 1995, Thales Cesar de Oliveira tem acompanhado o aumento no número de casos envolvendo menores de idade nos últimos anos. Segundo ele, há duas explicações para essa situação: a impunidade e a falta de investimento em educação, saúde e lazer, principalmente nas periferias das cidades. "Alguma solução tem de ser dada. Atualmente, ninguém faz absolutamente nada. Não se reduz a maioridade penal, mas também não se investe em melhorias para a população." 

Oliveira diz acreditar que a maioridade penal deveria ser reduzida para 16 anos, nem que fosse apenas para crimes hediondos. "Esse assunto ainda encontra muita resistência no meio jurídico, mas precisamos discuti-lo. Não é uma política para os Jardins que você precisa, é uma política para a periferia. Noventa por cento das vítimas dos crimes dos adolescentes infratores são das classes C, D e E." 

O desembargador Antônio Carlos Malheiros, coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, pensa diferente. "A redução da maioridade e o projeto do governador trazem um castigo duplo para a juventude, que já foi castigada pela ausência do Estado desde o útero materno." 

Sem medo 

Levar um adolescente de 16 anos para o sistema prisional, e não para a Fundação Casa, pode contribuir para acelerar a entrada de jovens no crime organizado, segundo Malheiros. "Tenho conversado com jovens do tráfico. Eles não têm medo de morrer. Ao entrar para o crime, sabem que mais cedo ou mais tarde vão para a cadeia ou morrer. Se forem presos, sabem que vão sair prontos para substituir o ídolo da vida deles, que é o chefe do crime organizado." 

Outro ponto levantado por quem se opõe à redução da maioridade penal é a taxa de pessoas que voltam a cometer crime após a prisão. Enquanto no sistema prisional a reincidência chega a 60%, o número está na casa dos 13% entre adolescentes, segundo o advogado Ariel de Castro Alves, vice-presidente da Comissão Nacional da Criança. 

"Não adianta colocar o jovem em um sistema prisional falido, até porque o adolescente é mais influenciável", afirma Alves. "Ao propor uma coisa dessas, estamos reconhecendo a falência no sistema de proteção do adolescente, que é uma obrigação do Estado." O advogado até concorda que o prazo máximo de três anos para as medidas socioeducativas seja revisto. Mas desde que haja discussões com a sociedade. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Metrópole
Rodrigo Burgarelli e Tiago Dantas

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