O número de adolescentes apreendidos pela polícia no Estado de São Paulo
mais do que dobrou nos últimos dez anos. Em 2012, foram 12.392, segundo a
Secretaria de Segurança Pública - um aumento de 138% em relação a 2002. Esse
crescimento foi quase o triplo do que o registrado entre os maiores de idade
presos nesse mesmo período (48%), o que, segundo especialistas, evidencia um
surto de criminalidade entre adolescentes.
Dados de outros órgãos estaduais também apontam para um aumento nas
ocorrências de crimes entre menores de 18 anos e no número de internações
determinadas pela Justiça. Entre o fim de 2002 e o início deste mês, a
quantidade de adolescentes internados na Fundação Casa cresceu 37% e chegou ao
recorde de 9.016. Além disso, o número de casos que passam pela Promotoria da
Infância e Juventude subiu 78% nos últimos 12 anos. Foram 14.434 processos em
2012, envolvendo desde agressões verbais contra professores e furtos até
tráfico e homicídios.
A discussão sobre o que fazer com os jovens em conflito com a lei
avançou na última semana após a morte do universitário Victor Hugo Deppman, de
19 anos. O suspeito de matá-lo é um jovem que completou 18 anos na sexta-feira.
“Está havendo uma escalada na
participação de menores na prática de crimes. Há uma percepção cada vez maior
de que há impunidade para adolescentes infratores, o que estimula novos
entrantes na criminalidade”, afirmou o consultor de segurança e coronel reformado
da PM José Vicente da Silva.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), deve ir pessoalmente
a Brasília nesta semana para entregar um projeto que pune com mais rigor jovens
que cometerem delitos graves, além de encaminhar o adolescente para o sistema
prisional após completar 18 anos.
Lotação. O crescimento nas internações de adolescentes também pressiona
a infraestrutura da Fundação Casa, que tem hoje 8,7 mil vagas. Dados obtidos
pelo Estado, por meio da Lei de Acesso à Informação, mostram que, em dezembro
de 2012, três em cada quatro unidades da Fundação Casa abrigavam mais
adolescentes do que sua capacidade. Apenas 30 dos 143 equipamentos tinham
lugares ociosos.
O principal motivo não são os crimes que terminam em morte, mas sim as
internações por tráfico de drogas, ato que já representa 41,8% do total - os
latrocínios, como no caso do universitário morto, são apenas 0,9%. “Há um excesso de condenação, mesmo com
jurisprudência de que a internação por tráfico só deve ser feita em caso de
reincidência, descumprimento de medida socioeducativa ou emprego de violência”,
afirmou a presidente da fundação, Berenice Giannella.
Apesar do aumento de quase 30% no número de vagas na Fundação Casa desde
2006, há unidades funcionando com até 50% mais adolescentes do que o previsto.
É o caso de uma unidade de semiliberdade na zona leste da capital ou de uma de
internação na região de Campinas - a regional com maior índice de lotação, com
12% a mais de internos do que vagas.
Ariel de Castro Alves, vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e
do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ressalta que houve um
grande avanço nas condições de atendimento a adolescentes infratores após a
criação da Fundação Casa, em 2006. “Mas
existe a postura no Judiciário de que, quanto mais vaga houver, mais eles vão
encaminhar menores.”
Segundo ele, um dos aspectos negativos do excesso de internações é o
aumento da insatisfação dos adolescentes. “Isso
causa tumultos e até rebeliões”, disse. O presidente do sindicato dos
trabalhadores da Fundação Casa, Júlio Alves, concordou. “Há funcionários para atender só até a capacidade da unidade.”
Já a presidente da fundação afirma que novos funcionários estão sendo
contratados. “A maioria das unidades são
pequenas e têm poucos adolescentes a mais. Não há queda na qualidade do
serviço”, ressaltou Berenice.
Pôr jovem na cadeia não resolve, diz jurista
A modificação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proposta
pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) pode aumentar ainda mais a lotação do
sistema prisional e não diminuir a criminalidade, segundo juristas consultados
pela reportagem. A proposta enfrenta resistência até de quem concorda com a
redução da maioridade penal, que hoje é de 18 anos.
O aumento no rigor com que são aplicadas penas a adolescentes é
defendido por quem acredita que as regras propostas pelo ECA, em 1990, e pela
Constituição, em 1988, não acompanharam a escalada da violência. Por outro
lado, há quem entenda que o Estado deve tentar evitar que o jovem tenha contato
com a criminalidade antes de puni-lo.
Promotor da Vara da Infância e Juventude desde 1995, Thales Cesar de
Oliveira tem acompanhado o aumento no número de casos envolvendo menores de
idade nos últimos anos. Segundo ele, há duas explicações para essa situação: a
impunidade e a falta de investimento em educação, saúde e lazer, principalmente
nas periferias das cidades. "Alguma
solução tem de ser dada. Atualmente, ninguém faz absolutamente nada. Não se
reduz a maioridade penal, mas também não se investe em melhorias para a
população."
Oliveira diz acreditar que a maioridade penal deveria ser reduzida para
16 anos, nem que fosse apenas para crimes hediondos. "Esse assunto ainda encontra muita resistência no meio jurídico,
mas precisamos discuti-lo. Não é uma política para os Jardins que você precisa,
é uma política para a periferia. Noventa por cento das vítimas dos crimes dos
adolescentes infratores são das classes C, D e E."
O desembargador Antônio Carlos Malheiros, coordenador da Infância e
Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, pensa diferente. "A redução da maioridade e o projeto do
governador trazem um castigo duplo para a juventude, que já foi castigada pela
ausência do Estado desde o útero materno."
Sem medo
Levar um adolescente de 16 anos para o sistema prisional, e não para a
Fundação Casa, pode contribuir para acelerar a entrada de jovens no crime
organizado, segundo Malheiros. "Tenho
conversado com jovens do tráfico. Eles não têm medo de morrer. Ao entrar para o
crime, sabem que mais cedo ou mais tarde vão para a cadeia ou morrer. Se forem
presos, sabem que vão sair prontos para substituir o ídolo da vida deles, que é
o chefe do crime organizado."
Outro ponto levantado por quem se opõe à redução da maioridade penal é a
taxa de pessoas que voltam a cometer crime após a prisão. Enquanto no sistema
prisional a reincidência chega a 60%, o número está na casa dos 13% entre
adolescentes, segundo o advogado Ariel de Castro Alves, vice-presidente da
Comissão Nacional da Criança.
"Não adianta colocar o jovem em um
sistema prisional falido, até porque o adolescente é mais influenciável", afirma Alves. "Ao propor uma coisa dessas, estamos reconhecendo a falência no
sistema de proteção do adolescente, que é uma obrigação do Estado." O
advogado até concorda que o prazo máximo de três anos para as medidas
socioeducativas seja revisto. Mas desde que haja discussões com a sociedade.
Fonte: O
Estado de S. Paulo – Metrópole
Rodrigo
Burgarelli e Tiago Dantas
Nenhum comentário:
Postar um comentário