Mesmo que os condenados na Ação Penal nº 470 recorram à Corte
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a eficácia de uma possível decisão
favorável a eles no Brasil é vista como bastante duvidosa. Em dois episódios
recentes, decisões da instância internacional foram simplesmente ignoradas
internamente. O mais notável deles é o que envolve a repressão à Guerrilha do
Araguaia, entre 1972 e 1974.
Em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou um pedido de
revisão da Lei da Anistia, feito pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para
permitir a punição de funcionários públicos envolvidos na tortura e
desaparecimento dos opositores ao regime militar. Pela lei mantida pelo
Supremo, o país não pode investigar agentes do Estado envolvidos no caso. Meses
depois, a Corte Interamericana condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62
militantes do PCdoB durante a repressão à Guerrilha do Araguaia. Para os juízes
que julgaram o processo, o país está obrigado a investigar e punir os
responsáveis pela tortura, morte e ocultação de cadáveres, já que é um dos
signatários da Convenção Americana dos Direitos Humanos da Organização dos
Estados Americanos (OEA).
Passados mais de dois anos da decisão da Corte Interamericana, nada
mudou em relação ao tema - o Supremo não reviu sua decisão, levando o Brasil a
descumprir a sentença internacional. Na época presidente do Supremo, o então
ministro Cezar Peluso disse que a condenação do país no tribunal da OEA "não revoga, não anula, não caça a
decisão do Supremo". Em outras palavras, afirmou que, em termos de
legislação interna, quem manda é o Supremo. "O
paradoxo é esse: a Corte Suprema entende que a Corte Interamericana não vale
nada", diz o jurista Luiz Flávio Gomes. "Salvo os ministros Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, nenhum
dos outros dá nenhuma bola para a Corte."
Mas foi um caso recente envolvendo o Brasil que levou os países
sul-americanos a questionar as decisões da instância internacional, resultando
em um processo de revisão de seu regimento interno que ainda está em curso. "As decisões começaram a desagradar os
países, criando dois blocos distintos", afirma o advogado Martim de
Almeida Sampaio, especialista em direito internacional e coordenador da
Comissão de Direitos Humanos da OAB de São Paulo. Segundo ele, em um bloco se
reuniram países dispostos a simplesmente descumprir as decisões da Corte, como
a Venezuela; em outro, nações que aceitam as decisões, mas nem todas - é deste
grupo que o Brasil faz parte.
A divisão ficou exposta a partir do caso da Usina de Belo Monte. Em
abril de 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos determinou a
interrupção imediata da construção do empreendimento diante de uma denúncia
encaminhada no fim de 2010 por entidades que representam as comunidades
indígenas da região, que alegam que não foram consultadas. Não só a construção
de Belo Monte não foi suspensa como a decisão da Corte recebeu do governo brasileiros
as mais variadas críticas. Em nota, o Itamaraty afirmou que "o governo brasileiro considera as
solicitações da CIDH precipitadas e injustificáveis" e que, "sem minimizar a relevância do papel
que desempenham os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos,
recorda que o caráter de tais sistemas é subsidiário ou complementar, razão
pela qual sua atuação somente se legitima na hipótese de falha dos recursos de
jurisdição interna". Já o diretor-geral da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel), Nelson Hubner, afirmou que a OEA "conhece muito pouco para dar um parecer deste". Mais
direto, o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, apelou para que a OEA "vá cuidar de outro assunto".
De acordo com Martim de Almeida Sampaio, o Brasil "tem cumprido parcialmente" as decisões da Corte
Interamericana. Mas nem sempre foi assim. Signatário do Pacto de São José da
Costa Rica desde 1992, o Brasil foi condenado em 2001 por negligência e omissão
em relação à violência doméstica na Corte internacional durante o julgamento do
caso da farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes. Espancada durante
seis anos, Maria da Penha chegou a levar um tiro do marido, que também tentou
eletrocutá-la em 1983, deixando-a definitivamente paraplégica. O agressor foi
condenado pela Justiça brasileira em um processo que durou 19 anos sem que
tenha sido preso. O caso, então, foi levado ao tribunal internacional em 1998.
Em 2006, cinco anos após a decisão da CIDH, o Congresso aprovou a Lei Maria da
Penha, que aumentou o rigor das punições às agressões contra a mulher quando
ocorrem em ambiente familiar. "Neste
caso o Brasil cumpriu integralmente a decisão da Corte", diz Sampaio.
Fonte: Valor Econômico –
Legislação & Tributos
Cristine
Prestes - De São Paulo
http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=14031
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