Diante da pior crise econômica e social do país em mais de 30 anos,
Portugal vive uma situação inédita: alguns dos prisioneiros que teriam direito
de passar parte da pena na casa de suas famílias estão abrindo mão desse
privilégio para não pesar no orçamento familiar.
A informação é de Julio Rebelo, presidente do Sindicato Independente da
Guarda Prisional. Em entrevista por telefone ao Estado, Rebelo confirma que as
prisões portuguesas vêm registrando um número cada vez maior de detentos que
optam por ficar na cadeia. "Nunca
tinha visto isso em meus quase 20 anos trabalhando no sistema carcerário",
indicou.
"Em Portugal temos um sistema que
permite que certos prisioneiros possam passar até três dias da semana em
casa", explicou. "Mas, dada essa opção a alguns deles, o que
verificamos é que vários têm escolhido ficar na prisão. Quando perguntamos o
motivo, a resposta é muito clara: não ser um peso financeiro ainda maior para
suas famílias."
Rebelo havia causado sensação em novembro quando, numa entrevista ao
jornal The New York Times, admitiu o início dessa situação. "Não temos dados exatos de quantos são
esses detentos. Mas a proporção não é insignificante e revela muito da crise
que vivemos. Não é normal que alguém prefira estar dentro da prisão do que em
sua casa", declarou.
Os dados sociais portugueses são, de fato, graves. O desemprego supera
16%, a terceira maior taxa da Europa, depois de Espanha e Grécia. A recessão
deve aumentar em 2013, enquanto salários e aposentadorias são cortados. Ontem
mesmo, o governo anunciou que a contração do PIB este ano não será de 1%, como
se previa, mas de 2%. No fim de 2012, o quatro trimestre do ano registrou queda
de 3,2% na economia portuguesa.
No total, o país já perdeu 2% da população, com o governo estimando que
mais de 220 mil portugueses abandonaram Lisboa, Porto e cidades menores em
busca de trabalho em Angola, Brasil, Alemanha e Suíça.
Partidos de oposição e sindicatos insistem que a política de austeridade
tem levado o país a registrar mais um ano de recessão. Mas a União Europeia
rebate que apenas continuará a liberar os recursos do resgate para Portugal se
Lisboa mantiver seus planos para reduzir seu déficit.
Rebelo confessa ao Estado que a política de austeridade tem criado uma
situação "crítica" nas
prisões. "Além do corte no
orçamento, há um número recorde de detentos."
Hoje, mais da metade das prisões do país estão superlotadas. Três delas
recebem mais que o dobro dos presos que deveriam: Angra do Heroísmo (taxa de
ocupação de 251%), Elvas (234%) e Portimão (214%).
Antes da crise, o governo havia prometido a construção de dez novas
prisões, com um orçamento de 700 milhões. Agora, esse projeto prevê apenas uma
nova cadeia.
Rebelo teme ainda o aumento de casos de corrupção dentro da prisão, por
conta da crise. Isso porque produtos de higiene e outros itens básicos
começaram a ser cortados. O resultado é a ação de guardas vendendo os produtos
aos detentos.
Nas 53 prisões portuguesas,segundo dados de 2012 da Direção-Geral dos
Serviços Prisionais de Portugal, existem 13 mil prisioneiros, dos quais 2,5 mil
estrangeiros. Segundo a entidade, 325 são brasileiros. Trata-se da segunda
maior nacionalidade, superada só por Cabo Verde, com cerca de 700 prisioneiros.
Fonte: O Estado
de S. Paulo – Economia
Jamil Chade,
correspondente
http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=13863
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