quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Preso de Portugal quer ficar na cadeia


Diante da pior crise econômica e social do país em mais de 30 anos, Portugal vive uma situação inédita: alguns dos prisioneiros que teriam direito de passar parte da pena na casa de suas famílias estão abrindo mão desse privilégio para não pesar no orçamento familiar. 

A informação é de Julio Rebelo, presidente do Sindicato Independente da Guarda Prisional. Em entrevista por telefone ao Estado, Rebelo confirma que as prisões portuguesas vêm registrando um número cada vez maior de detentos que optam por ficar na cadeia. "Nunca tinha visto isso em meus quase 20 anos trabalhando no sistema carcerário", indicou. 

"Em Portugal temos um sistema que permite que certos prisioneiros possam passar até três dias da semana em casa", explicou. "Mas, dada essa opção a alguns deles, o que verificamos é que vários têm escolhido ficar na prisão. Quando perguntamos o motivo, a resposta é muito clara: não ser um peso financeiro ainda maior para suas famílias." 

Rebelo havia causado sensação em novembro quando, numa entrevista ao jornal The New York Times, admitiu o início dessa situação. "Não temos dados exatos de quantos são esses detentos. Mas a proporção não é insignificante e revela muito da crise que vivemos. Não é normal que alguém prefira estar dentro da prisão do que em sua casa", declarou. 

Os dados sociais portugueses são, de fato, graves. O desemprego supera 16%, a terceira maior taxa da Europa, depois de Espanha e Grécia. A recessão deve aumentar em 2013, enquanto salários e aposentadorias são cortados. Ontem mesmo, o governo anunciou que a contração do PIB este ano não será de 1%, como se previa, mas de 2%. No fim de 2012, o quatro trimestre do ano registrou queda de 3,2% na economia portuguesa. 

No total, o país já perdeu 2% da população, com o governo estimando que mais de 220 mil portugueses abandonaram Lisboa, Porto e cidades menores em busca de trabalho em Angola, Brasil, Alemanha e Suíça. 

Partidos de oposição e sindicatos insistem que a política de austeridade tem levado o país a registrar mais um ano de recessão. Mas a União Europeia rebate que apenas continuará a liberar os recursos do resgate para Portugal se Lisboa mantiver seus planos para reduzir seu déficit. 

Rebelo confessa ao Estado que a política de austeridade tem criado uma situação "crítica" nas prisões. "Além do corte no orçamento, há um número recorde de detentos."

Hoje, mais da metade das prisões do país estão superlotadas. Três delas recebem mais que o dobro dos presos que deveriam: Angra do Heroísmo (taxa de ocupação de 251%), Elvas (234%) e Portimão (214%). 

Antes da crise, o governo havia prometido a construção de dez novas prisões, com um orçamento de 700 milhões. Agora, esse projeto prevê apenas uma nova cadeia. 

Rebelo teme ainda o aumento de casos de corrupção dentro da prisão, por conta da crise. Isso porque produtos de higiene e outros itens básicos começaram a ser cortados. O resultado é a ação de guardas vendendo os produtos aos detentos. 

Nas 53 prisões portuguesas,segundo dados de 2012 da Direção-Geral dos Serviços Prisionais de Portugal, existem 13 mil prisioneiros, dos quais 2,5 mil estrangeiros. Segundo a entidade, 325 são brasileiros. Trata-se da segunda maior nacionalidade, superada só por Cabo Verde, com cerca de 700 prisioneiros. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Economia
Jamil Chade, correspondente
http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=13863

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