Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no julgamento do
mensalão, que não existe na lei penal brasileira o crime de associação a
organização criminosa, o governo trabalha para aprovar na Câmara dos Deputados
uma lei que cria esse delito. A proposta está na pauta dos líderes e a intenção
é votá-la em plenário ainda este ano.
O Projeto de Lei 6.578 interessa diretamente a polícia e o Ministério
Público. Além de definir o crime de organização criminosa e as penas para quem
praticá-lo, o texto regulamenta técnicas especializadas de investigação do
crime organizado - como infiltração de agentes, escutas ambientais, ação
controlada (pela qual se posterga uma intervenção policial para permitir a
obtenção de provas) e os critérios para a delação premiada, que passa a se
chamar "colaboração premiada".
"A intenção é fornecer à polícia e ao
Ministério Público novos instrumentos de combate ao crime organizado, para
tornar a ação do Estado mais eficiente", diz o deputado Vieira da Cunha (PDT-RS), relator da
proposta na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ). O governo quer
levar o substitutivo de Cunha diretamente a plenário, sem votação prévia na
CCJ. Depois, o projeto terá que ser votado pelo Senado.
O crime de organização criminosa é semelhante ao de formação de
quadrilha. Mas é considerado mais grave e envolve uma atuação mais complexa dos
autores, demandando técnicas sofisticadas de investigação.
A organização criminosa é descrita como um grupo de três ou mais pessoas
que se estruturam com divisão de tarefas para cometer crimes graves (com pena
máxima de quatro anos ou mais) ou de caráter transnacional. A pena é de três a
oito anos de prisão.
Já a quadrilha pratica crimes considerados menos graves, e com uma forma
de atuação mais simples. Pessoas que se juntam para bater carteira na praça ou
assaltar um banco seriam acusadas de quadrilha. Milícias e grupos infiltrados
no poder público, por outro lado, participariam de organizações criminosas. Na
denúncia do mensalão, a Procuradoria-Geral da República descreveu o
funcionamento do "valerioduto"
como uma organização criminosa formada por três núcleos: político, financeiro e
operacional. Mas o crime cometido pela associação desses núcleos foi definido
como formação de quadrilha, devido à fragilidade do conceito legal da
organização criminosa.
A definição de organização criminosa está na Convenção contra o Crime
Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo, firmada em 2000
no âmbito das Nações Unidas. Embora ela esteja em vigor no Brasil desde 2004, o
Supremo entendeu que não tem o poder de criar um crime na legislação nacional,
daí o motivo da proposta de lei, que se inspira na convenção. O projeto foi
apresentado originalmente pela ex-senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) em 2006 e
passou por mudanças na Câmara.
"O grande problema hoje é a falta de uma
lei definindo o que é uma organização criminosa e caracterizando o crime", diz o delegado da Polícia Federal Luiz
Roberto Ungaretti de Godoy, especialista no assunto. "O projeto traz uma definição, mas sem engessar o conceito."
O diretor jurídico da Associação Nacional dos Procuradores da República
(ANPR), Wladimir Aras, ressalta a necessidade de regulamentar técnicas de
investigação do crime organizado. "A
legislação atual é muito cheia de lacunas, prevê procedimentos importantes mas
não diz como se faz." De acordo com ele, a indefinição prejudica o uso
de técnicas como a infiltração policial, limitando a capacidade de
investigação.
Esse método envolve questões delicadas porque o agente infiltrado pode se ver na situação de colaborar com a prática de algum crime, como vender drogas para investigar a atuação de traficantes. O projeto diz que o agente "responderá por toda conduta que não respeite a proporcionalidade com a finalidade da investigação". A infiltração tem que ser autorizada pelo juiz, a pedido da polícia ou do MP, por até seis meses, com possibilidade de renovação.
O delegado Luiz Roberto Godoy critica, no entanto, o silêncio do projeto
quanto a técnicas mais recentes de investigação. Uma delas é a busca
exploratória, pela qual a polícia ingressa, com autorização judicial, em locais
protegidos pelo direito à intimidade, para possibilitar uma investigação.
Na Operação Hurricane, que desarticulou em 2007 um suposto esquema de
venda de sentenças para beneficiar a máfia dos jogos, o Supremo autorizou a
entrada da Polícia Federal em um escritório de advocacia, durante a noite, para
colher provas e instalar escutas ambientais.
Fonte: Valor Econômico –
Política
Maíra Magro
- De Brasília
http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=13226
Nenhum comentário:
Postar um comentário