Sob pressão da sociedade civil organizada desde o início das discussões
no Senado, o anteprojeto do novo Código Penal está também sob ataque da
comunidade jurídica. Representantes de cerca de 20 entidades, incluindo o
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Ministério Público
Federal, organizaram ato pela paralisação da tramitação do texto no Congresso.
Líder do movimento, o ex-ministro da Justiça e professor decano da
faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Miguel Reale Júnior é
um dos mais ácidos críticos do anteprojeto. Sobretudo, da celeridade com que o
Senado conduziu a elaboração do texto, tarefa delegada pelo presidente da Casa,
José Sarney (PMDB-AP) a um grupo de juristas. Para Reale Júnior, a discussão,
que consumiu oito meses de trabalho, levaria normalmente algo em torno de dois
anos. "Tudo foi feito de afogadilho
por uma questão política. Faltou respeito com um tema tão importante para o
país", diz o jurista.
Na avaliação do jurista, o grupo de especialistas encarregado de
elaborar o anteprojeto cometeu erros graves ao redigir o texto do novo código.
Ele cita, como exemplo, a questão da possibilidade de perdão judicial à prática
de eutanásia em pacientes com doenças terminais, desde que seja feita por um
parente da vítima. "O problema,
aqui, é que a determinação do que é um doente terminal fica a cargo desse
parente. O texto não prevê a necessidade de uma avaliação médica, de um
atestado. Nada", aponta.
Também haveria pontos questionáveis nos casos de crimes contra a pessoa
e contra a honra. O texto do novo código dobra a pena por difamação, caso o
crime seja cometido por meio jornalístico. Se for a difamação comum, a pena vai
de 1 a 2 anos. Se for cometida por jornalista, passa a 2 a 4 anos. "É pior do que a antiga lei de imprensa, que
já era um resquício da ditadura", dispara Reale Júnior. "Os erros são tão grandes que, do jeito
que está, não adianta emendá-lo. Tem que começar tudo de novo, do zero, não há
o que se aproveite", avalia.
Vice-presidente da comissão especial que analisa o novo código, o senador Jorge Viana (PT-AC) elogia o trabalho dos juristas que formularam o texto. "O anteprojeto foi feito justamente para gerar esse ambiente de debate. O texto não é perfeito, mas o Brasil ganhou muito com as propostas deixadas pela comissão. É um trabalho importante até para sofrer críticas", pondera.
Vice-presidente da comissão especial que analisa o novo código, o senador Jorge Viana (PT-AC) elogia o trabalho dos juristas que formularam o texto. "O anteprojeto foi feito justamente para gerar esse ambiente de debate. O texto não é perfeito, mas o Brasil ganhou muito com as propostas deixadas pela comissão. É um trabalho importante até para sofrer críticas", pondera.
Pressa
O senador, contudo, é contrário à intenção do presidente da Casa, José
Sarney (PMDB-AP), que quer ver aprovado o novo Código Penal até o fim do ano. "Será um trabalho intenso, mas consumirá
o tempo necessário, não dá para ter pressa em um assunto como esse",
diz Viana, que centrará esforços nos artigos relacionados aos crimes contra a
vida. "Temos 50 mil assassinatos por
ano. É uma situação amparada pela leveza das penas, o Brasil é o país da pena
mínima e isso precisa ser mudado com urgência", observa o senador. "Ainda assim, não dá para fazer esse
trabalho às pressas. Não é algo para ficar pronto já neste ano",
avalia.
"Tudo foi feito de afogadilho por uma questão política. Faltou
respeito com um tema tão importante para o país" Miguel Reale Júnior,
ex-ministro da Justiça
Polêmicas
Confira as principais críticas ao novo Código
Penal
Progressão de pena
» O texto dificulta a progressão de pena — direito garantido a
condenados que possibilita a diminuição do tempo de prisão. Para o jurista, a
medida causará uma explosão no número de detentos no sistema prisional,
agravando a superlotação dos presídios no país, que já é crítica.
Liberdade de imprensa
» Crime de difamação cometido por meio de imprensa terá pena de 2 a 4
anos de prisão. É o dobro da penalidade prevista para a difamação simples, que
vai de 1 a 2 anos, o que configuraria, na visão do ex-ministro, uma restrição à
liberdade de imprensa.
Lesão corporal
» Uma das falhas apontadas por Miguel Reale Júnior no novo texto
refere-se a casos de lesão corporal culposa, ocorridos sem intenção. Esse tipo
de crime será punido com pena de 1 ano de prisão, o dobro dos casos de lesão
corporal dolosa (com intenção de ferir), cuja pena prevista é de seis meses.
Eutanásia
» Está previsto o perdão judicial ao parente que praticar eutanásia se a
vítima estiver em estado terminal, mas, segundo Reale Júnior, não há exigência
de atestado médico para caracterizar a condição clínica do paciente. Essa
determinação aconteceria a critério de quem praticar a eutanásia.
Gestão fraudulenta
» Crimes como o de gestão fraudulenta de instituição financeira estariam
sendo tratados de maneira excessivamente generalizante, na avaliação do
jurista. Atos como atestar a presença de um funcionário faltoso teriam o mesmo
peso que medidas que ponham em risco a instituição.
Controvérsias
Conheça outros pontos considerados polêmicos
no texto
» Invasões, depredações de patrimônio e outros atos "de terror" praticados por movimentos sociais passam a
ser descriminalizados.
» As possibilidades do aborto legal são ampliadas. No novo código, será
permitida a prática por vontade da gestante até a 12ª semana de vida do feto
quando for atestado que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar
com a maternidade.
» O texto permite a ortotanásia, prática que impede que a vida do
paciente terminal seja estendida artificialmente por meio de equipamentos.
Desligar os aparelhos nesses casos, portanto, deixa de ser crime.
» Deixam de ser crime o plantio e o porte de maconha, desde que sejam
para consumo próprio.
Fonte: Correio
Braziliense – Política
Karla Correia
http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=12982
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