O crime organizado internacional está impondo transtornos ao Brasil.
Além de engrossar as estatísticas de apenados estrangeiros, obriga a Justiça a
gastos e malabarismos para julgar e administrar o cumprimento das penas dos
presos, a maioria ligada ao narcotráfico.
O impasse inicial é o idioma, seguido de entraves para a progressão de
regime e o retorno à terra natal. Os estrangeiros, por sua vez, sofrem com o
isolamento e a falta de recursos. Preocupado com a situação, o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) prepara para agosto o lançamento de um banco de dados
integrado sobre estrangeiros.
A ideia é criar um portal, alimentado por autoridades brasileiras,
embaixadas e consulados. O CNJ também propõe alteração de procedimentos
jurídicos, visando a agilizar expulsões e incentivar a assinatura de acordos
bilaterais para transferir presos aos países de origem.
— Estamos conversando com o
Ministério da Justiça para acelerar esse mecanismo. É lento, por vezes, demora
até dois anos — afirma o juiz Luciano Losekann, da Presidência do CNJ.
Voltar para casa é o que deseja Eduardo Solari de Lima, 29 anos. Natural
de Montevidéu, ele tem o perfil típico do estrangeiro preso no Estado. Faz
parte da maior colônia de encarcerados em cadeias gaúchas (55 uruguaios) condenada
por tráfico de drogas.
Tatuador — 80% do corpo dele tem
desenhos que chegam ao rosto em forma de uma armadura de gladiador —, ele
tem pena a cumprir até 2015, e sonha ser transferido para perto da família para
cumprir o que ainda deve.
— Se pudesse, voltaria hoje para
Montevidéu. Lá estão minha mãe e meu filho de 12 anos — assegura.
O número de presos estrangeiros no Estado — 103 em julho — se mantém estável, mas vem aumentando no país (em
seis anos, cresceu 135,6%). O Brasil é um tradicional corredor do tráfico para
a Europa, facilitado por melhorias na infraestrutura de transporte para o
Exterior. O magistrado gaúcho afirma que 90% dos estrangeiros estão presos pelo
envolvimento com drogas e que a situação tende a se agravar.
— No Brasil, é praticamente
impossível a ressocialização deles. Não conhecem pessoas, não têm trabalho.
Qual o endereço que eles vão informar ao juiz quando receberem licença para
saída temporária? — pondera Losekann.
Uma das propostas do CNJ para acelerar as expulsões é a de que
documentos dos processos sejam traduzidos para o inglês e para o espanhol,
facilitando o trâmite com representações diplomáticas. Entender o idioma dos
presos e fazer eles compreenderem o português e as leis brasileiras têm sido
uma barreira quase intransponível para a Justiça Federal.
Interrogatórios com intérpretes
Desde 2010, o Rio Grande do Sul enfrenta isso com mais frequência, por
causa da presença de traficantes oriundos de países longínquos. O episódio mais
emblemático envolve a cabeleireira Irina Zurkelis, 40 anos, nascida na Lituânia
(ex-república da União Soviética), capturada em 4 de fevereiro pela Polícia
Federal, no aeroporto Salgado Filho, com seis quilos de cocaína. O julgamento
correu risco de atrasar, e ela de ser solta por falta de intérprete.
Para comunicar Irina as razões pela quais ela foi presa e o crime do
qual foi acusada, a juíza da 2ª Vara Federal Criminal, Salise Monteiro
Sanchotene, teve de telefonar para centros de idiomas Brasil afora até
localizar quem traduzisse os documentos para o lituano.
Precisava de um intérprete no interrogatório da ré. Como Irina foi
alfabetizada em russo, facilitou a tradução. Foi localizada em Porto Alegre uma
jovem russa, contratada pela Justiça Federal — com honorários acima do previsto que é de R$ 58,70 para as primeiras
três horas e R$ 23,48 para cada hora adicional.
Em geral, o réu é quem paga as custas ao final do processo, mas Irina é
assistida pela Defensoria Pública Federal, e a despesa ficou por conta da
Justiça Federal.
— Graças à direção do Fórum,
conseguimos a intérprete. Temos dificuldades até de encontrar interessados em
traduzir documentos para o espanhol por causa dos valores da tabela judicial —
lamenta a magistrada.
Além desses gastos, a juíza lembra que a presença de estrangeiros
cumprindo pena no Brasil desrespeita a Lei de Execução Penal (LEP) no que tange
a distância da família. Salise está preocupada com a próxima captura:
— Ficamos imaginando de qual país
e as dificuldades que virão.
Espanhóis no Presídio Central
A crise financeira que afunda a Espanha fez crescer este ano a população
do já superlotado Presídio Central. Charly Cantalapiedra Odena, 48 anos, e Juan
Carlos Hurtado Rivera, 56 anos, são dois dos 12 estrangeiros presos na Região
Metropolitana, metade por tráfico de drogas.
O primeiro a desembarcar na “estação
Central” foi Odena, nascido em Bruxelas, na Bélgica, mas cidadão espanhol. Vive
em Madri desde a infância. Caminheiro sem trabalho, diz ter perdido veículos,
casa e brigado com a família. Nunca se casou e não tem filhos. Conta que dormia
em albergues na província de Toledo, quando diz ter sido procurado por um
sul-africano que ofereceu o equivalente a R$ 12 mil para buscar condimentos e
lençóis em Lima, no Peru, e levar de volta para a Espanha.
— Sabia que era droga, mas aceitei
— lamenta.
Em 2 de fevereiro, foi pego em flagrante pela Polícia Federal (PF) no
aeroporto Salgado Filho tentando embarcar com 6,8 quilos de cocaína. Odena diz
ter recebido ajuda financeira do consulado espanhol por três meses, mas,
atualmente, sem recursos, vive de favores de outros presos:
— Não sei o que vai acontecer.
Estou mal. Sem dinheiro não se vive aqui dentro. Quero voltar logo para Madri
para poder trabalhar. Minha vida foi destruída, sou vítima de uma trampa —
afirma.
Consulados visitam presos
Companheiro de galeria de Odena, no pavilhão F (reservado para
primários), o vendedor de quadros Juan Carlos Hurtado Rivera Rivera, de Murcia,
no leste espanhol, vive situação parecida. Fez praticamente a mesma rota,
Madri-Lima, chegando a Porto Alegre de ônibus vindo do Acre, em 23 de março
quando foi preso pela PF com 2,8 quilos de cocaína na bagagem ao tentar
embarcar no Salgado Filho para Portugal.
Desempregado, dois casamentos, quatro filhos e com uma dívida de
hipoteca que somaria o correspondente a R$ 750 mil, Rivera diz que foi seduzido
a buscar diamante bruto no Peru dentro de roupas de cama. Ganharia cerca de R$
9 mil.
— Quando a polícia abriu minha
mala e disse que era cocaína, não acreditei. Fizeram uma trampa — afirma,
chorando.
É a Pastoral Carcerária que mais tem amparado Rivera, comprando roupas,
intermediando contatos com parentes em Murcia e entregando remédios para a
depressão, enviados por uma filha de Rivera.
— As condições do Central são
cruéis, e os estrangeiros, que vem de outra cultura, sofrem ainda mais — conta
Manoel Feio da Silva, coordenador estadual da Pastoral Carcerária.
Conforme a Embaixada da Espanha no Brasil, os consulados costumam fazer
visitas aos presos espanhóis, no mínimo, uma vez a cada semestre, e podem
ajudar com até R$ 300 mensais.
— Neste momento de limitações, é
necessário fazer uma distribuição mais rigorosa dos fundos, atendendo
prioritariamente àqueles em circunstâncias mais difíceis e com necessidades
mais urgentes como médicas — diz o comunicado da embaixada.
Lituana troca e-mails com o filho
Natural de Klaipeda, na Lituânia (ex-república da União Soviética), a
cabeleireira desempregada Irina Kurlelis, 40 anos, está desde 4 de fevereiro,
dia que pisou pela primeira vez em Porto Alegre, na Penitenciária Feminina
Madre Pelletier.
Presa e condenada a seis anos e três meses por tráfico internacional de
drogas, Irina obteve ordem da Justiça para trocar e-mail com o filho, única
forma de contato com a família. A juíza federal Salise Monteiro Sanchonete, que
condenou Irina, tentou contatos para expulsar Irina, mas não conseguiu. Não há
embaixada lituana no Brasil.
Fonte: Zero Hora –
Polícia
José Luís
Costa
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