Ao tomar posse no cargo de desembargador do Tribunal de Apelação do
antigo Distrito Federal, em 1944, o jurista Nelson Hungria disse que um juiz,
antes de consultar os manuais da doutrina ou as revistas de direito, deveria se
aconselhar “com a própria consciência” em suas decisões. Pelo menos três
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao votar no julgamento do
Mensalão, fizeram mais do que isso: consultaram o próprio Nelson Hungria, cujo
legado, 43 anos depois de sua morte, continua orientando e influenciando os
embates nos tribunais de Justiça espalhados pelo Brasil.
Hungria apareceu nos votos de Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, mas
partiu da ministra Carmem Lúcia a referência mais longa sobre a obra do
jurista. Ao condenar o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) por corrupção
passiva, lavagem de dinheiro e peculato devido a irregularidades em contratos
de publicidade na Câmara dos Deputados, ela usou frases do jurista para
explicar os motivos da decisão. As mais contundentes diziam: “Não se deve generalizar inconsideradamente.
Mas corrupção é um dos males deste século. O arrojo, a febre do fausto, o
affairismo fazem que a corrupção campeie. São raras as moscas que caem na teia
de Aracne (referência à jovem grega transformada em aranha)”.
Ao citar o texto de Hungria sobre corrupção, Cármen Lúcia disse que,
apesar das dificuldades, o processo do mensalão é uma mostra de que o
Judiciário está fazendo o possível, dentro das dificuldades, para punir os
corruptos: “Isso significa que o Brasil
mudou”.
Embora a principal contribuição de Hungria (1891-1969) ao direito esteja
com os dias contados, já que o Senado começou a debater o projeto de reforma do
Código Penal de 1940, o jurista é até hoje referência obrigatória de dez entre
dez operadores do Direito Penal, entre juízes, magistrados e promotores.
— Pelo menos três vezes por
semana, meus alunos me ouvem falar de Nelson Hungria — garante o advogado
Nilo Batista, professor de direito da Uerj.
No Brasil, uma boa carreira na área penal exige ao alcance das mãos a
coleção “Comentários ao Código Penal”.
A maior parte dos dez volumes foi escrita por Hungria. Nessa “obra monumental”, como é chamada nos
corredores da Justiça, Hungria disseca o Código Penal de 1940, em vigência até
hoje.
— Ali encontro alguns dos mais
ilustres ensinamentos do Direito Penal. Consultei-o muito em toda carreira
— diz o ex-corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Rio e desembargador
aposentado Paulo Gomes.
Mineiro de Além Paraíba, Hungria foi delegado de polícia, juiz e
desembargador antes de assumir cadeira no Supremo, onde ficou de 1951 a 1961.
Ingressou na escola de direito aos 13 anos, diplomando-se aos 18 na antiga
Faculdade Nacional de Direito (RJ) e só não seguiu a carreira política em Rio
Pomba, município mineiro perto de sua cidade, porque foi derrotado por apenas
um voto.
Mais tarde, professor de Direito, quase pôs a perder uma aguardada
promoção a desembargador quando criticou a repressão desencadeada pelo governo
Vargas à revolução paulista de 1932. Hungria não sabia que, entre os alunos que
o ouviam, estava Alzira Vargas, filha do presidente. Semanas depois, após
figurar numa lista de nove pretendentes ao cargo, surpreendeu-se ao saber que
fora escolhido por Vargas, por influência de sua aluna, Alzira.
Para o professor de Direito Penal da UFRJ e da Uerj Carlos Japiassú,
embora muitos comentários do jurista tenham sido superados pelo avanço da
legislação, sua obra continua atualíssima.
— Mesmo para os que não concordam com ele, a obra é fundamental, um marco do Direito Penal.
— Mesmo para os que não concordam com ele, a obra é fundamental, um marco do Direito Penal.
Fonte: O Globo – País
Chico Otavio
http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=12803
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