quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Nelson Hungria, um nome que até hoje é a consciência do STF


Ao tomar posse no cargo de desembargador do Tribunal de Apelação do antigo Distrito Federal, em 1944, o jurista Nelson Hungria disse que um juiz, antes de consultar os manuais da doutrina ou as revistas de direito, deveria se aconselhar “com a própria consciência” em suas decisões. Pelo menos três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao votar no julgamento do Mensalão, fizeram mais do que isso: consultaram o próprio Nelson Hungria, cujo legado, 43 anos depois de sua morte, continua orientando e influenciando os embates nos tribunais de Justiça espalhados pelo Brasil.

Hungria apareceu nos votos de Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, mas partiu da ministra Carmem Lúcia a referência mais longa sobre a obra do jurista. Ao condenar o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato devido a irregularidades em contratos de publicidade na Câmara dos Deputados, ela usou frases do jurista para explicar os motivos da decisão. As mais contundentes diziam: “Não se deve generalizar inconsideradamente. Mas corrupção é um dos males deste século. O arrojo, a febre do fausto, o affairismo fazem que a corrupção campeie. São raras as moscas que caem na teia de Aracne (referência à jovem grega transformada em aranha)”. 

Ao citar o texto de Hungria sobre corrupção, Cármen Lúcia disse que, apesar das dificuldades, o processo do mensalão é uma mostra de que o Judiciário está fazendo o possível, dentro das dificuldades, para punir os corruptos: “Isso significa que o Brasil mudou”. 

Embora a principal contribuição de Hungria (1891-1969) ao direito esteja com os dias contados, já que o Senado começou a debater o projeto de reforma do Código Penal de 1940, o jurista é até hoje referência obrigatória de dez entre dez operadores do Direito Penal, entre juízes, magistrados e promotores.

Pelo menos três vezes por semana, meus alunos me ouvem falar de Nelson Hungria — garante o advogado Nilo Batista, professor de direito da Uerj. 

No Brasil, uma boa carreira na área penal exige ao alcance das mãos a coleção “Comentários ao Código Penal”. A maior parte dos dez volumes foi escrita por Hungria. Nessa “obra monumental”, como é chamada nos corredores da Justiça, Hungria disseca o Código Penal de 1940, em vigência até hoje. 

Ali encontro alguns dos mais ilustres ensinamentos do Direito Penal. Consultei-o muito em toda carreira — diz o ex-corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Rio e desembargador aposentado Paulo Gomes. 

Mineiro de Além Paraíba, Hungria foi delegado de polícia, juiz e desembargador antes de assumir cadeira no Supremo, onde ficou de 1951 a 1961. Ingressou na escola de direito aos 13 anos, diplomando-se aos 18 na antiga Faculdade Nacional de Direito (RJ) e só não seguiu a carreira política em Rio Pomba, município mineiro perto de sua cidade, porque foi derrotado por apenas um voto. 

Mais tarde, professor de Direito, quase pôs a perder uma aguardada promoção a desembargador quando criticou a repressão desencadeada pelo governo Vargas à revolução paulista de 1932. Hungria não sabia que, entre os alunos que o ouviam, estava Alzira Vargas, filha do presidente. Semanas depois, após figurar numa lista de nove pretendentes ao cargo, surpreendeu-se ao saber que fora escolhido por Vargas, por influência de sua aluna, Alzira. 

Para o professor de Direito Penal da UFRJ e da Uerj Carlos Japiassú, embora muitos comentários do jurista tenham sido superados pelo avanço da legislação, sua obra continua atualíssima. 

Mesmo para os que não concordam com ele, a obra é fundamental, um marco do Direito Penal. 

Fonte: O Globo – País
Chico Otavio
http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=12803

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