A Câmara dos Deputados articula um movimento para fragilizar a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB). Ele consiste em avançar na tramitação do projeto que
acaba com a exame para o exercício da profissão, bem como no recolhimento de
assinaturas para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) "da OAB". Seu objeto seria a
investigação de fraudes no exame e a movimentação financeira da entidade, que
não tem fiscalização dos tribunais de contas.
Essas articulações podem até não avançar, mas já influem na eleição da
instituição no final deste ano e a provável inviabilidade política de seu
presidente, Ophir Cavalcante, se reeleger. Dentro do órgão, inclusive, já se
fala no nome do sucessor, o secretário-geral Marcus Vinícius Furtado Coelho.
A avaliação é de que, desde quando Ophir Cavalcante assumiu a
presidência da OAB, em janeiro de 2010, parlamentares aguardam a hora de dar o
troco às inúmeras declarações consideradas ofensivas à classe política.
Recentemente, ele afirmou que o Congresso se tornou um "pântano". Na sua posse, pediu "vergonha na cara" e disse ser necessário sanear o ar da
política, "hoje irrespirável".
Citou ainda "dinheiro em meias, em
cuecas, em bolsas, oração para agradecer a propina recebida". Mirou a
todos, mas a menção à reza foi direta a um ex-deputado distrital evangélico de
Brasília, flagrado em um vídeo fazendo uma oração após receber uma quantia de
dinheiro.
Os religiosos anotaram o recado e o movimento contra a OAB no Congresso,
hoje, tem na sua linha de frente os evangélicos.
Coube ao vice-líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (RJ), evangélico,
assegurar apoio de nove partidos para ser colocado em votação um requerimento
de urgência para o seu projeto de lei que acaba com o exame da OAB. O texto
está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, com relatório
favorável do deputado evangélico Marco Feliciano (PSC-SP), mas a comissão,
composta em sua maioria por políticos com ligação com o direito, tende a rejeitá-lo.
Por isso a necessidade de que a urgência seja aprovada. Dessa maneira, o texto
é apreciado diretamente pelo plenário da Câmara, o que aumenta suas chances de
aprovação.
A Eduardo Cunha também é atribuída outra motivação para o projeto. Em
2011, quando se instalava a Comissão Especial para analisar alterações no
Código de Processo Civil, ele conseguiu a indicação do líder da bancada,
Henrique Eduardo Alves (RN), para ser o relator dos trabalhos. Ophir Cavalcante
manifestou a contrariedade da OAB pelo fato de Cunha não ser ligado ao direito.
Em protesto, ele apresentou o projeto para acabar com o exame. Neste mês,
ampliou a carga: outra proposta sua defende a eleição direta para a OAB. Ele
nega motivações políticas. "Por que
só bacharéis em direito têm de fazer esse exame? Nenhuma outra profissão exige
isso. É reserva de mercado. Um completo absurdo", disse Cunha.
A isso se somaram o surgimento de denúncias de fraudes contra o próprio
exame e o reavivamento de antigos questionamentos contra a Ordem. O principal
deles: por que a entidade tem suas contas fechadas e inacessíveis até mesmo aos
advogados? Foi a base, então, para a ideia de uma CPI. O deputado Pastor Marco
Feliciano (PSC-SP), "pastor,
escritor e cantor" evangélico, o mesmo que deu o relatório a favor do
projeto de Cunha na CCJ, decidiu junto com o deputado fluminense, na volta do
recesso parlamentar, começarem a recolher assinaturas.
"Precisamos de 171 assinaturas. É só
juntar os 80 do PMDB mais 80 da bancada evangélica e já chegamos próximo. Como
temos objeto determinado, não vai ser difícil convencer os deputados, até
porque abrir CPI não significa uma condenação, é apenas investigação", afirmou Feliciano.
Ele se apoia também em uma sinalização positiva do presidente da Câmara
dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), deu a movimentos organizados de bacharéis em
direito que pressionam pela aprovação do projeto e pela CPI. Em julho, o
petista recebeu em seu gabinete representantes dos Bacharéis em Ação e do
Movimento Nacional dos Bacharéis em Direito.
"Ele disse que vai ser colocado em
votação a urgência e pediu documentação sobre a CPI", afirmou Gisa Moura, presidente da Bacharéis
em Ação. De acordo com ela, a prova da OAB é feita para reprovar e garantir um
mercado restrito diante dos cerca de 90 mil alunos que se formam em direito no
país todo ano. Além disso, aponta que a OAB lucra mais de R$ 70 milhões com a
prova e que seus advogados mais antigos e conhecidos - como o próprio Ophir-
não precisaram passar por ela, já que ela só passou a ser exigida após 1994. A
taxa usual de reprovação beira os 75%.
Ela revela ainda que o responsável por articular o encontro com Marco
Maia foi o ministro da Pesca, Marcelo Crivella, senador licenciado pelo PRB,
partido ligado a Igreja Universal do Reino de Deus, e seu indicado na
Transpetro, Rubens Teixeira, pastor evangélico e diretor administrativo da
estatal. Ele há tempos trava uma batalha pessoal com a OAB do Rio de Janeiro,
que lhe nega a carteira de advogado pro ser também funcionário de carreira do Banco
Central. Em seu site, publicou um texto em que disse ter sofrido
arbitrariedade, ilegalidade, humilhação e tratamento indigno pela seccional
fluminense da OAB. "Deixei a luta
pela minha carteira de lado e entrei na batalha pelo fim do Exame da OAB",
concluiu.
Para entidade, movimento é 'eleitoreiro'
Dirigentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apontam a movimentação
contra a entidade na Câmara dos Deputados como "eleitoreira" e avaliam que o Legislativo tem assuntos
mais relevantes para serem tratados. Também dizem que não faz sentido uma CPI
para apurar fraudes ou as contas da entidade, uma vez que ela não recebe
dinheiro público.
"Não temos o que esconder,
mas entendemos que a OAB não recebe recursos públicos, portanto não haveria
sentido em instalar uma CPI. Isso é muito mais para atingir o exame do que para
investigar alguma coisa. O Legislativo tem assuntos mais importantes para serem
tratados. Esse não me parece não ser um ponto crucial da atuação
parlamentar", disse ao Valor o presidente da OAB, Ophir Cavalcante.
Segundo ele, a entidade "jamais
foi omissa" diante de fraudes como a venda de provas em Goiás ou
conluio entre formandos e uma examinadora. "Em
nenhuma situação a OAB deixou de tomar providência e até expulsou pessoas dos
seus quadros, como essa examinadora. Sobre o caso de Goiás, há 101 processos
criminais tramitando."
Em relação ao exame, ele afirma que a prova existe "para atender aos interesses da sociedade, que é destinatária dos
serviços dos advogados para proteger três bens dos seus clientes: liberdade,
honra e patrimônio". "Por isso o advogado precisa estar pronto, até
porque há juízes muito bem preparados e promotores muito bem preparados".
E critica o Ministério da Educação por autorizar a criação de cursos de direito
sem garantias de qualidade. "Enquanto
a China, com população muito maior, tem 950 cursos de direito, e os Estados
Unidos 180, o Brasil tem 1.259. Desses, apenas 89 receberam recomendação como
cursos de excelência. O próprio MEC reconhece que deixa muito a desejar nesse
sentido. Muitos alunos mal sabem escrever".
Também rebate a acusação de que a OAB lucra com o exame. "Vivemos de anuidades. Seria
confortável financeiramente ter milhões de advogados. Do ponto de vista
financeiro seria melhor." Diz ainda que o Supremo Tribunal Federal já
julgou constitucional o exame.
Para o presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, o projeto de
lei para acabar com o exame é "eleitoreiro e irresponsável". "São milhares de votos a serem ganhos.
São cerca de 700 mil alunos de direito no país. Mas é irresponsável, porque se
aprovado pode acabar com a advocacia enquanto profissão organizada".
Damous diz ainda que "Eduardo Cunha
está retaliando. É legislação de vingança que ganhou força por conta da
declaração do Ophir de que o Congresso é um pântano. O resultado disso não pode
ser uma legislação contra a OAB."
Fonte: Valor Econômico –
Política
Caio
Junqueira - De Brasília
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