A Câmara dos Deputados está prestes a analisar uma proposta de emenda
constitucional que acaba com a possibilidade de o Ministério Público fazer
investigações. A medida, defendida pelas associações de policiais, deixou
procuradores e promotores alarmados país afora. O temor deles não é apenas em
relação à impossibilidade de continuarem fazendo investigações. O pior, dizem,
seria a brecha aberta para que as investigações já realizadas sejam
consideradas inválidas pela Justiça.
Um levantamento feito pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais
(CNPG) em 15 estados mostra que o MP teve papel decisivo em muitas das
operações contra políticos e agentes públicos nos últimos anos. A lista do CNPG
inclui as operações Caixa de Pandora, Aquarela e Monte Carlo. A primeira levou
à renúncia do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, e de seu
vice, Paulo Octavio. A segunda fez com que o ex-governador Joaquim Roriz também
renunciasse, mas a seu mandato de senador. A última foi a que levou Carlinhos
Cachoeira à prisão e está prestes a levar o senador Demóstenes Torres (sem
partido-GO) à cassação. O levantamento identificou 40 grandes operações em 14
estados com participação direta do MP.
Segundo o procurador-geral do Rio de Janeiro, Cláudio Lopes, que preside
o CNPG, a atuação do Ministério Público ocorre justamente quando a polícia se
omite.
— Os casos em que o MP em regra
procede ou são casos que envolvem policiais, ou são crimes que não são
praticados por policiais, mas que a polícia não está investigando por algum
motivo. Pode ser homicídio, tráfico de drogas, quadrilha de roubo de carga, mas
sempre casos em que a polícia não faz a investigação por estar sem condições,
por interesse, por omissão ou por conivência — justifica.
A proposta de mudança na lei atual foi feita pelo deputado federal
Lourival Mendes (PTdoB-MA), que é delegado da Polícia Civil. A tendência é que ela
esteja pronta para ser votada no plenário da Câmara a partir de agosto e, se
aprovada, seguiria para a apreciação do Senado. Antes que ela termine de
tramitar no Congresso, a tendência é que o Supremo Tribunal Federal se
posicione sobre o tema.
Há hoje no STF duas ações questionando o poder de investigação criminal
do Ministério Público. Uma foi impetrada pelo ex-prefeito de Ipanema (MG) Jairo
de Souza Coelho. Condenado por crime de responsabilidade, o ex-prefeito
recorreu alegando que a investigação foi conduzida pelo MP. A segunda ação é de
um habeas-corpus de Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, denunciado pelo Ministério
Público como mandante do assassinato do prefeito petista Celso Daniel em 2002.
O julgamento sobre o poder de investigação chegou a ser iniciado, mas
foi interrompido por um pedido de vistas do ministro Luiz Fux quando seis dos
11 ministros haviam votado. Desses, quatro mantinham o poder de investigação do
MP. A expectativa na Corte é que o julgamento seja concluído a partir de setembro,
após o fim do julgamento do mensalão.
Mesmo que o Supremo mantenha a tendência atual e entenda que a
legislação autoriza o MP a realizar essas investigações, a aprovação de uma
nova PEC tornaria a decisão inócua.
No Rio, caso Castor partiu de trabalho do MP.
O procurador-geral do Rio, Cláudio Lopes, vem fazendo uma firme
militância contra a mudança na lei. Lopes diz que boa parte das investigações
que o Ministério Público no Rio faz hoje é em parceria com a Secretaria de
Segurança Pública. Ele afirma, no entanto, que há situações em que a
independência é necessária.
— Em 1993, fomos responsáveis aqui
no Rio de Janeiro pelo primeiro caso de investigação direta feita com sucesso
pelo MP, o estouro da fortaleza do Castor de Andrade. Descobriu-se, então, por
que na época contraventores praticavam impunemente o jogo do bicho em cada
esquina do Rio de Janeiro. Era porque havia uma lista de propina em que muitos
policiais militares e civis estavam envolvidos. Por isso tivemos de fazer a
investigação direta — diz Lopes.
No início deste ano, foi também uma investigação iniciada pelo MP que
levou à prisão de um delegado e três inspetores de Conceição de Macabu, no
Norte Fluminense. O delegado e seu grupo formaram uma quadrilha para extorquir
comerciantes da cidade. Coagidos, os empresários começaram a procurar o
promotor de Justiça, que tomou depoimentos e deu início às investigações. Em
março, elas levaram à prisão de todos os integrantes do bando, que contava
ainda com um advogado e um guarda municipal.
— Imagina quem as pessoas daquela
cidade poderiam procurar, se o delegado estava envolvido? Se o promotor tivesse
sido privado de fazer as primeiras investigações, não haveria nada. A sociedade
vai perder um grande aliado no combate ao crime em geral. Ela já está batizada
de PEC da Impunidade por dois motivos: poderá ter efeitos retroativos e jogar
pelo ralo casos que nasceram no MP, e muitos vão ficar sem apuração — disse
Cláudio Lopes.
Relator da PEC em discussão na Câmara, o deputado Fábio Trad defende que
o MP só entre em investigações dando auxílio à polícia e, ainda assim, só em
crimes contra a administração pública e praticados por organizações criminosas.
Nos praticados por policiais, por exemplo, isso não seria possível.
— Entendi que não é necessário
porque não parto do pressuposto de que a polícia prevarica, da mesma forma que
a polícia não parte do pressuposto de que o MP prevarica. As polícias no Brasil
estão em situação de precariedade. Se estão em situação de precariedade, vamos
fortalecer o MP fragilizando mais as polícias? Promotores não são treinados
para investigar. O MP só poderá dar início a uma investigação criminal quando
tiver crimes praticados por integrantes do Ministério Público. O MP tem a
atribuição de promover a ação penal. Se nós acrescermos a tarefa de investigar,
desequilibra o sistema acusatório. Quem é que controlará externamente o MP
quando ele investigar? — questiona o deputado, que é professor de Direito
Penal.
Fonte: O Globo – País
Paulo Celso
Pereira
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