Uma mulher de 37 anos, que cometeu um autoaborto em 2006, vai a
júri popular. Dependente de drogas, desempregada e mãe de dois filhos, ela foi
denunciada pelo Ministério Público, absolvida em primeira instância, mas terá
de sentar no banco dos réus por determinação do Tribunal de Justiça de São
Paulo, que atendeu ao recurso da promotoria.
K. R. mora em Paulo de Faria, uma cidadezinha no interior de São
Paulo com pouco mais de 8,5 mil habitantes, distante 150 quilômetros de São
José do Rio Preto. Ela pagou R$ 100 por dois comprimidos Cytotec, um abortivo
de uso restrito, comprados clandestinamente.
No dia 31 de outubro de 2006, grávida de cinco meses, ela foi até
o Hospital de Base de Rio Preto e colocou os comprimidos na vagina. Pouco tempo
depois, passou a ter fortes contrações e precisou ser internada imediatamente.
Como a gravidez era avançada, o feto não foi expulso naturalmente, e K. entrou
em trabalho de parto antecipado.
O bebê - que recebeu o nome de Amanda - nasceu de parto normal no
dia 2 de novembro, pesando 615 gramas. A menina viveu por 20 dias, mas não
resistiu. Morreu em decorrência de uma infecção neonatal, provocada pela
prematuridade extrema.
Queixa. O caso foi parar na polícia depois que uma enfermeira do
hospital registrou uma queixa contra K. numa delegacia. A atitude da enfermeira
é condenada pelo Ministério da Saúde na nota técnica Atenção Humanizada ao
Abortamento e pelo Código de Ética de Profissionais da Enfermagem.
O inquérito foi concluído e enviado ao Ministério Público, que
entrou com uma denúncia formal contra K. na Justiça. Sem dinheiro para
contratar advogado, K. recebeu o benefício da assistência gratuita - uma
parceria da Defensoria Pública com a Ordem dos Advogados.
A advogada Maria do Carmo Rocha Chareti foi então nomeada para
defender Keila no processo. E ela mesma teve dificuldade para localizar a
acusada. "K. mora nas ruas. É pobre,
alcoólatra, dependente de drogas. Nos vimos uma única vez antes da audiência
com a juíza", conta.
Na audiência, K. compareceu aparentemente alcoolizada - o que, segundo Maria do Carmo, demonstra as condições precárias em que vive. Ela confirmou que tentou praticar o aborto, mas disse estar "profundamente arrependida".
Diante da situação, K. foi absolvida sumariamente pela juíza
Milena Repuo Rodrigues, que entendeu que, diante das condições expostas por K.,
a conduta dela foi legítima e ela não poderia ser responsabilizada pelo crime
de prática de aborto.
Recurso. O promotor Marco Antônio Lélis Moreira, no entanto, não
ficou satisfeito com a absolvição e recorreu ao Tribunal de Justiça. Na
argumentação, Moreira diz que não há dúvida de que houve o aborto. E emenda: "É lamentável, em pleno século 21, uma
mulher experiente não se utilizar dos meios impeditivos de uma gravidez para
depois, grávida, escolher a via criminosa do aborto e encontrar a benevolência
do magistrado".
Em entrevista ao Estado, o promotor Moreira diz que fez a denúncia
contra K. porque ela já tinha antecedentes criminais e porque ela não
apresentou provas suficientes para demonstrar que vivia em condições
sub-humanas e seus dois filhos estavam sob a guarda da avó.
"Além disso ela
confessou ter cometido o aborto. Essa ação vai servir de exemplo para a
juventude da cidade prevenir a gravidez", afirmou o promotor.
"No júri vou pedir a
condenação de K. como forma de prevenção geral. É uma punição moral para que as
pessoas entendam que o aborto é criminoso", diz Moreira, admitindo que é raro que casos
de aborto sejam denunciados e terminem em júri.
A advogada Maria do Carmo diz que ficou surpresa com a decisão do
TJ de mandá-la para júri popular. "K.
está arrependida. Tenho certeza de que os jurados vão absolvê-la."
Fonte: O Estado de
S. Paulo – Vida
Fernanda Bassette
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