A transmissão
consciente do vírus HIV, causador da Aids, configura lesão corporal grave,
delito previsto no artigo 129, parágrafo 2º, do Código Penal (CP). O
entendimento é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e foi
adotado no julgamento de habeas corpus contra decisão do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal (TJDF). A Turma acompanhou integralmente o voto da relatora,
ministra Laurita Vaz.
Entre abril de
2005 e outubro de 2006, um portador de HIV manteve relacionamento amoroso com a
vítima. Inicialmente, nas relações sexuais, havia o uso de preservativo.
Depois, essas relações passaram a ser consumadas sem proteção. Constatou-se
mais tarde que a vítima adquiriu o vírus. O homem alegou que havia informado à
parceira sobre sua condição de portador do HIV, mas ela negou.
O TJDF entendeu
que, ao praticar sexo sem segurança, o réu assumiu o risco de contaminar sua
parceria. O tribunal também considerou que, mesmo que a vítima estivesse ciente
da condição do seu parceiro, a ilicitude da conduta não poderia ser excluída,
pois o bem jurídico protegido (a integridade física) é indisponível.
O réu foi
condenado a dois anos de reclusão com base no artigo 129 do CP. A defesa entrou
com pedido de habeas corpus no STJ, alegando que não houve consumação do crime,
pois a vítima seria portadora assintomática do vírus HIV e, portanto, não
estaria demonstrado o efetivo dano à incolumidade física.
Pediu sursis
(suspensão condicional de penas menores de dois anos) humanitário e o
enquadramento da conduta do réu nos delitos previstos no Título I, Capítulo III
(contágio venéreo ou de moléstia grave e perigo para a vida ou saúde de
outrem).
Enfermidade incurável
No seu voto, a
ministra Laurita Vaz salientou que a instrução do processo indica não ter sido
provado que a vítima tivesse conhecimento prévio da situação do réu, alegação
que surgiu apenas em momento processual posterior. A relatora lembrou que o STJ
não pode reavaliar matéria probatória no exame de habeas corpus.
A Aids, na visão
da ministra Vaz, é perfeitamente enquadrada como enfermidade incurável na
previsão do artigo 129 do CP, não sendo cabível a desclassificação da conduta
para as sanções mais brandas no Capítulo III do mesmo código. “Em tal capítulo, não há menção a doenças
incuráveis. E, na espécie, frise-se: há previsão clara no artigo 129 do mesmo
estatuto de que, tratando-se de transmissão de doença incurável, a pena será de
reclusão, de dois a oito anos, mais rigorosa”, destacou.
Laurita Vaz
ressaltou o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Habeas Corpus
98.712, entendeu que a transmissão da Aids não era delito doloso contra a vida
e excluiu a atribuição do tribunal do júri para julgar a controvérsia. Contudo,
manteve a competência do juízo singular para determinar a classificação do
delito.
A relatora
apontou que, no voto do ministro Ayres Britto, naquele julgamento do STF, há
diversas citações doutrinárias que enquadram o delito como lesão corporal
grave. “Assim, após as instâncias
ordinárias concluírem que o agente tinha a intenção de transmitir doença
incurável na hipótese, tenho que a capitulação do delito por elas determinadas
(artigo 129, parágrafo 2º, inciso II, do CP) é correta”, completou a
ministra.
Sobre o fato de
a vítima não apresentar os sintomas, Laurita Vaz ponderou que isso não tem
influência no resultado do processo. Asseverou que, mesmo permanecendo
assintomática, a pessoa contaminada pelo HIV necessita de acompanhamento médico
e de remédios que aumentem sua expectativa de vida, pois ainda não há cura para
a enfermidade.
Quanto ao sursis
humanitário, a relatora esclareceu que não poderia ser concedido, pois o pedido
não foi feito nas instâncias anteriores e, além disso, não há informação sobre
o estado de saúde do réu para ampará-lo.
HC 160982
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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