A ideia de troca entre as partes envolvidas num
processo, em que cada uma cede um pouco para uma finalidade maior, ganhou corpo
e letra no projeto do novo Código Penal. A comissão de juristas que prepara o
texto a ser apreciado pelo Congresso Nacional aprovou nesta segunda-feira (28)
o instituto da barganha, que permitirá que um processo judicial já em curso
possa ser encerrado por acordo entre as partes – acusador e acusado. A regra
veda o regime inicial fechado.
Um dos requisitos para a barganha é a confissão, total
ou parcial, em relação aos fatos imputados na denúncia. Além disso, as partes
devem dispensar a produção de provas por elas indicadas. Por outro lado, a pena
privativa de liberdade deve ser aplicada em não mais que o mínimo legal –
podendo ainda ser reduzida de um terço. Se houver pena de multa, esta também
deve ser no mínimo, devendo o valor constar no acordo.
“Estamos pela primeira vez
rompendo com o devido processo legal. Este instituto é revolucionário”, comemorou o relator do
anteprojeto do novo Código Penal, procurador regional da República Luiz Carlos
Gonçalves. Ele explica que crimes cuja pena seja de até oito anos, em tese,
admitiriam o acordo.
“As partes são
adultas e capazes. Esta proposta dá poder às partes. A acusação, ao fazer um
acordo, terá algo em mente; e a defesa, ao fazer o acordo, terá outras coisas.
O importante é que haja uma convergência desses objetivos”, detalhou o
relator.
Crimes graves
A comissão focou a aplicação do novo instituto nos
crimes de médio potencial ofensivo. Pesou na decisão a falta de estrutura das
defensorias públicas dos estados, o que pode causar prejuízos aos réus em
crimes graves, cuja pena mínima inicial é em regime fechado.
“As instituições não estão
preparadas para lidar com a barganha em crimes de homicídio, por exemplo. Na
grande maioria das cidades não existem defensorias e não é possível haver
paridade de armas num acordo, em que uma parte vai se sobrepor à outra. A lei
precisa equilibrar isso”, afirmou a defensora pública Juliana Belloque.
Na prática, Juliana acredita que a barganha não será
aceita por réus primários em processos cuja pena máxima seja até dois anos e a
pena mínima seja até um ano de prisão. Nesses casos, é possível a transação
penal ou a suspensão condicional do processo.
No entanto, para a solução judicial dos demais crimes
que se enquadrem no critério estabelecido pela comissão, ela vê vantagens. “É
inerente a qualquer acordo que haja cessão pelos dois lados. A pena é certa com
a confissão, mas a pena será reduzida”, comentou a defensora.
Juliana resumiu a ideia da barganha como o pensamento
de que mais vale a pena célere, imediata e rápida, do que aquela que pode ser
maior, mas virá depois de muito tempo do cometimento do crime. “A justiça tardia é justiça falha”,
disse.
Conforme o texto aprovado, recebida definitivamente a
denúncia ou a queixa, o advogado ou defensor público, de um lado, e o órgão do
Ministério Público ou querelante responsável pela causa, de outro, querendo,
poderão celebrar acordo para a aplicação imediata das penas, antes da audiência
de instrução e julgamento.
A homologação do acordo deve ser feita pelo juiz, e é
considerada sentença condenatória. Pela proposta, “o juiz não homologará o acordo se matéria de ordem pública favorável à
defesa for reconhecida no processo e se o acusado, advertido das consequências
da transação, recusá-la”. O acordo pode prever também os prejuízos
suportados pela vítima e seus sucessores, que deverão ser ouvidos.
Atualmente, a possibilidade de acordo só existe para
alguns tipos de crimes e antes do processo ser instaurado. Hoje, uma vez
iniciado o trâmite judicial, ainda que haja acordo entre Ministério Público e
acusado, não é possível interromper ou encerrar o processo.
Eleitorais
Pela proposta da comissão, o novo Código Penal deve incorporar condutas criminais eleitorais. Por sugestão do relator, a reforma reduz os 85 tipos, existentes desde 1965, para apenas 14 crimes. Entre as condutas descriminalizadas está a chamada “boca de urna”, que passa a ser apenas um ilícito cível, e o ato de “furar a fila” da ordem de votação.
Já o uso eleitoral da máquina administrativa (uso de
recursos administrativos), pela proposta, terá a pena aumentada para dois a
cinco anos de prisão, pena bem mais severa que a atual – seis meses. A
corrupção eleitoral ativa (entrega de uma vantagem para o eleitor) e a
corrupção passiva receberam pena de um a quatro anos. Se o juiz constatar que o
eleitor aceitou a vantagem em razão de extrema miserabilidade, poderá deixar de
aplicar a pena (perdão judicial).
Entre os outros crimes incorporados ao novo Código Penal estão: inscrição fraudulenta de eleitor; retenção indevida de título; divulgação de fatos inverídicos (mentir com capacidade de influenciar o eleitor); inutilização de propaganda legal; violação e destruição de urna; falsa identidade eleitoral; falsificação de resultado eleitoral (falsificar o resultado da votação em urna manual ou eletrônica) e coação eleitoral.
Entre os outros crimes incorporados ao novo Código Penal estão: inscrição fraudulenta de eleitor; retenção indevida de título; divulgação de fatos inverídicos (mentir com capacidade de influenciar o eleitor); inutilização de propaganda legal; violação e destruição de urna; falsa identidade eleitoral; falsificação de resultado eleitoral (falsificar o resultado da votação em urna manual ou eletrônica) e coação eleitoral.
Tortura
Em outro ponto analisado na reunião, a comissão classificou o crime de tortura como imprescritível, inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. As penas foram aumentadas: para quem constrange alguém ou o submete a intenso sofrimento físico e mental, a pena foi elevada de dois a oito anos (legislação vigente hoje) para quatro a dez anos de prisão.
Em outro ponto analisado na reunião, a comissão classificou o crime de tortura como imprescritível, inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. As penas foram aumentadas: para quem constrange alguém ou o submete a intenso sofrimento físico e mental, a pena foi elevada de dois a oito anos (legislação vigente hoje) para quatro a dez anos de prisão.
Se da tortura resultar lesão corporal grave, a pena
será de prisão de seis a 12 anos (atualmente é de quatro a dez anos); se
resultar morte não intencional e as circunstâncias do fato demonstrarem que o
agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena pode ir
de oito a 20 anos (hoje, não passa de 16 anos).
Caso a morte seja intencional, os juristas esclareceram
que o réu responderá pelo homicídio e pela tortura. Outra hipótese prevista
para o novo Código Penal é a ocorrência de suicídio da vítima, em razão do
sofrimento físico ou mental advindo dos atos de tortura. Nesse caso, a pena
poderá ser idêntica à hipótese de morte culposa após a tortura – de oito a 20 anos.
Se alguma autoridade tomar conhecimento do crime de
tortura e não determinar as providências cabíveis, incidirá nas penas de um a
quatro anos.
Ainda quanto ao crime de tortura, a comissão inseriu motivações por discriminação ou preconceito de identidade ou orientação sexual, cor, gênero e procedência regional ou nacional entre aquelas previstas na descrição do tipo penal – raça e religião já estavam previstas na Lei 9.455/97, ao lado de outras motivações. A tortura estará inserida no capítulo dos crimes contra os direitos humanos.
A comissão de reforma do Código Penal, presidida pelo
ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, volta a se reunir
no dia 11 de junho, às 10h, no Senado. O texto do anteprojeto deverá ser
finalizado até 25 de junho.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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