segunda-feira, 28 de maio de 2012

Após investimento de R$ 32 mi, salas de videoconferência são subutilizadas


Anunciadas como um avanço nas atividades do Judiciário, as salas de videoconferência para ouvir presos a distância estão subutilizadas em São Paulo. O sistema de teleaudiência devia dar mais segurança a juízes e trazer economia aos cofres públicos, mas está praticamente ocioso e longe da rotina da maioria dos juízes das Varas Criminais da capital e do interior. Enquanto o sistema não funciona, o governo estadual continua a gastar dinheiro e policiais militares com escolta de presos.

O sistema, cuja instalação custou R$ 32 milhões aos cofres públicos, tem 27 salas de videoconferência em fóruns da capital e interior, além de outras 39 salas em penitenciárias paulistas. São Paulo tem hoje 151 unidades prisionais, com uma população de 180 mil detentos.

Números da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (SAP) mostram que 2.121 teleaudiências foram realizadas em 2011. Para cada uma das 27 salas de fóruns, há uma média de 78,5 teleaudiências por ano, ou 6,5 teleaudiências por mês. 

O número de teleaudiências representa 0,3% do total de 64.963 audiências presenciais com detentos realizadas em 2011. Esses detentos são transportados com escolta policial formada por dois ou três PMs e ao menos um agente da SAP. Só com escoltas, o governo gastou cerca de R$ 52 milhões em 2011. Em 2012 já foram realizadas 24.168 audiências presenciais e 740 teleaudiências. 

Subaproveitamento 

A ociosidade pode ser explicada pela existência de salas que, embora estejam prontas há mais de dois anos, nunca foram usadas, segundo informações da SAP.

Em São José do Rio Preto, a sala está disponível desde março de 2010, mas até hoje nenhum juiz a usou. Em Araçatuba, foram realizadas apenas nove teleaudiências, ou 0,23% do total de sessões presenciais feitas na comarca, desde que a sala foi instalada, em outubro de 2010.

Juízes dizem que as salas não são usadas por desinteresse de colegas, falta de salas em presídios (39 para 151 unidades prisionais) ou porque decisões da própria Justiça anularam a validade de depoimentos obtidos pelas teleaudiências. "Um dos juízes daqui deixou de usar a sala depois que a Justiça derrubou suas decisões a pedido da Defensoria Pública", disse o juiz Emérson Sumariva Junior, da 3.ª Vara Criminal de Araçatuba.

"Aqui a gente usa a sala ao máximo", afirmou o juiz Antônio Roberto Cylla, da 1.ª Vara Criminal de Presidente Prudente. Segundo ele, os juízes fazem revezamento. "Eu uso de segunda e quarta e meu colega de terça e sexta-feira", disse Cylla.

Na região de Prudente estão localizadas 14 penitenciárias, entre elas, as de Presidente Venceslau, onde estão detidos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), e de Presidente Bernardes, onde vigora o Regime de Detenção Diferenciado (RDD). "Depois da instalação da sala de videoconferência, ficou mais seguro e mais fácil ouvir os presos", afirmou Cylla.

Segundo a SAP, o sistema de teleaudiências, que funciona em parceria com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e a Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp), deve ser ampliado. O Plano Plurianual do Estado (2012/2015) prevê a expansão de 50 salas por ano, o que depende de estudos de viabilidade.

TJ reconhece ociosidade do sistema virtual

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) admitiu que as videoconferências são subutilizadas e que, por isso, vai recomendar aos juízes que passem a usar mais vezes as salas para fazer teleaudiências com detentos que estão longe da comarca. "Em breve será editada recomendação aos magistrados no sentido de fomentar o uso das salas existentes", afirmou o juiz Paulo Eduardo Almeida, assessor da Corregedoria-Geral da Justiça. 

Segundo ele, a resistência ocorre exatamente entre os juízes que nunca fizeram teleaudiências. "Todos os juízes criminais que usaram o sistema o aprovaram. Quem o conhece defende o seu uso. Os opositores à teleaudiência, em sua maioria, nem sequer operaram o sistema", disse Almeida.

De acordo com o juiz-assessor, o número de salas é pequeno. "O TJ pretende incentivar o uso do sistema e, em consequência, a ampliação da estrutura. A movimentação de presos é gigantesca, por isso, a ampliação do uso da teleaudiência importaria em considerável economia para os cofres públicos", disse. 

O juiz disse que as restrições que limitavam o uso do sistema e acabaram derrubando decisões baseadas em provas obtidas por meio de teleaudiência devem cair com a vigência da Lei Federal 11.900/09. O novo texto alterou o Código de Processo Penal e passou a prever a possibilidade de realização da teleaudiência para atender aos seguintes casos: prevenir risco à segurança pública; viabilizar a participação do réu na audiência; impedir a influência do réu no ânimo da vítima ou da testemunha; e em gravíssima questão de ordem pública. "Esse quadro tende a ser revertido, ampliando-se o uso fundamentado da teleaudiência."
 
Secretária de Justiça diz que “resistência” vai cair 

A secretária de Justiça, Eloisa de Sousa Arruda, diz que entende a "resistência" do Judiciário em usar as salas de teleaudiência. "Tudo que é novo causa uma certa desconfiança." Segundo ela, as decisões que derrubaram sentenças em processos com teleaudiências "são isoladas" e a tendência é de que as salas passem a ser mais usadas no futuro.

"Essas salas são importantes para dar mais segurança aos juízes que vão ouvir presos perigosos; elas trazem economia ao Estado, que não precisa bancar escoltas policiais. Escoltas que são feitas por PMs que podiam aumentar a segurança nas ruas."

O presidente da Comissão de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Antonio Ruiz Filho, disse que a subutilização das videoconferências "comprova a ineficiência do sistema". "O principal argumento dos que defendem o sistema é economizar dinheiro do Estado." Ruiz Filho diz ser primordial o contato do juiz com o réu no julgamento. "A falta de contato pessoal com o acusado impede o juiz de saber com precisão a verdadeira situação do preso." 

O Estado de S. Paulo - Metrópole
Chico Siqueira – Especial para o Estado

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