quarta-feira, 30 de maio de 2012

Superando obstáculo representado pela Súmula nº 691/STF, Suprema Corte rechaça execução penal provisória com base na “presunção constitucional de inocência” e estrita observância aos ditames estampados no parágrafo único, do art. 387 do CPP

Condenação penal - Direito de recorrer em liberdade - Prisão cautelar – Excepcionalidade

HC 112071 MC/SP*

RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: DENEGAÇÃO DE LIMINAR EM PROCESSO DE “HABEAS CORPUS” INSTAURADO PERANTE O E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA POR TRIBUNAL DE JUSTIÇA MEDIANTE UTILIZAÇÃO DE FÓRMULA GENÉRICA DESPROVIDA DE FUNDAMENTAÇÃO E, POR ISSO MESMO, CONFLITANTE TANTO COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUANTO COM A NORMA INSCRITA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART.  387 DO CPP. POSSIBILIDADE DE SUPERAÇÃO DA RESTRIÇÃO FUNDADA NA SÚMULA 691/STF. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO, EM CADA CASO OCORRENTE, DOS PRESSUPOSTOS DE CAUTELARIDADE JUSTIFICADORES DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PROCESSUAL, MESMO TRATANDO-SE DE RÉUS CONDENADOS, EM CUJO FAVOR MILITA, COMO REGRA GERAL, O DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

Para efeito de legitimação da prisão cautelar, ainda que motivada por condenação recorrível, exigir-se-á, sempre, considerada a inconstitucionalidade da execução penal provisória, a observância de certos requisitos, hoje estabelecidos em sede legal (CPP, art. 387, parágrafo único, acrescentado pela Lei nº 11.719/2008), sem os quais não terá validade jurídica alguma esse ato excepcional de constrição da liberdade pessoal do sentenciado, sendo destituída de eficácia, por arbitrária, a fórmula genérica (“Expeça-se mandado de prisão”) utilizada por Cortes judiciárias. Doutrina. Precedentes.

A denegação, ao sentenciado, do direito de recorrer (ou de permanecer) em liberdade depende, para legitimar-se, da ocorrência concreta de qualquer das hipóteses referidas no art. 312 do CPP, a significar, portanto, que, inexistindo fundamento autorizador da privação meramente processual da liberdade do réu, esse ato de constrição reputar-se-á ilegal, porque dele ausente a necessária observância da exigência de cautelaridade. Precedentes.

A prisão processual, de ordem meramente cautelar, ainda que fundada em condenação penal recorrível, tem como requisito legitimador a existência de situação de real necessidade, apta a ensejar, ao Estado, quando efetivamente configurada, a adoção - sempre excepcional - dessa medida constritiva de caráter pessoal, a evidenciar que se mostra insuficiente, para tal fim, a exclusiva motivação subjacente ao decreto de condenação, cujos elementos não se confundem nem satisfazem a exigência de específica demonstração da ocorrência, em cada caso, dos pressupostos de cautelaridade inerentes à prisão meramente processual.

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão proferida pelo eminente Ministro-Presidente do E. Superior Tribunal de Justiça, que, em sede de outra ação de “habeas corpus” ainda em curso naquela Corte (HC 231.250/SP), denegou medida liminar que lhe havia sido requerida em favor dos ora pacientes.

Registro que o pedido de reconsideração formulado em favor dos ora pacientes foi indeferido pela eminente Senhora Ministra Relatora do processo de “habeas corpus” em questão, ora em andamento perante o E. Superior Tribunal de Justiça.

Presente tal contexto, impende verificar, desde logo, se a situação processual versada nestes autos justifica, ou não, o afastamento, sempre excepcional, da Súmula 691/STF.

Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade (HC 85.185/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO - HC 86.634-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 86.864-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – HC 87.468/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO - HC 89.025-MC-AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 90.112-MC/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO - HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 96.095/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 96.483/ES, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Parece-me que a situação exposta nesta impetração ajustar-se-ia às hipóteses que autorizam a superação do obstáculo representado pela Súmula 691/STF.

Por tal razão, e sem prejuízo do ulterior reexame da questão, passo, em conseqüência, a examinar a postulação cautelar ora deduzida nesta sede processual.

E, ao fazê-lo, observo que o exame dos elementos produzidos nestes autos, notadamente do que se contém no acórdão emanado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, parece evidenciar que a prisão cautelar dos ora pacientes não se ajustaria aos padrões jurisprudenciais que esta Suprema Corte firmou na análise do tema.

Constata-se, pela análise do v. acórdão emanado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que simplesmente não há, nele, qualquer motivação justificadora da concreta necessidade de decretação da prisão cautelar dos ora pacientes.

Na realidade, o E. Tribunal de Justiça local limitou-se, no acórdão em referência, a determinar, “tout court”, sem qualquer fundamentação (por mínima que fosse), a expedição de mandados de prisão contra os pacientes em questão.

Vê-se, no caso ora em exame, que o Tribunal de Justiça local claramente admitiu, ainda na pendência de recurso ordinário cabível na espécie (embargos de declaração), aquilo que a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal tem expressamente repelido: a execução provisória da condenação penal.

Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal não reconhece a possibilidade constitucional de execução provisória da pena, por entender que orientação em sentido diverso transgrediria, de modo frontal, a presunção constitucional de inocência.

É por tal motivo que, em situações como a que ora se registra nesta causa, o Supremo Tribunal Federal tem garantido, ao condenado, até mesmo em sede cautelar, o direito de aguardar em liberdade o julgamento dos recursos interpostos, ainda que destituídos de eficácia suspensiva (HC 85.710/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO - HC 88.276/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 88.460/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 89.952/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, v.g.), valendo referir, por relevante, que ambas as Turmas desta Suprema Corte (HC 85.877/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES, e HC 86.328/RS, Rel. Min. EROS GRAU) já asseguraram, inclusive de ofício, a diversos pacientes, o direito de recorrer em liberdade.

Não obstante essa diretriz jurisprudencial, mostra-se viável, consoante reconhece esta Suprema Corte, a possibilidade de convivência entre os diversos instrumentos de tutela cautelar penal postos à disposição do Poder Público, de um lado, e a presunção de inocência proclamada pela Constituição da República (CF, art. 5º, LVII) e pelo Pacto de São José da Costa Rica (Artigo 7º, nº 2), de outro.

Para que se legitime a prisão cautelar, no entanto, impõe-se que os órgãos judiciários competentes tenham presente a advertência do Supremo Tribunal Federal no sentido da estrita observância de determinadas exigências (RTJ 134/798), em especial a demonstração - apoiada em decisão impregnada de fundamentação substancial - que evidencie a imprescindibilidade, em cada situação ocorrente, da adoção da medida constritiva do “status libertatis” do indiciado/réu, sob pena de caracterização de ilegalidade ou de abuso de poder na decretação da prisão meramente processual (RTJ 180/262-264, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 80.892/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Com efeito, proferida sentença penal condenatória, nada impede que o Poder Judiciário, a despeito do caráter recorrível desse ato sentencial, decrete, excepcionalmente, a prisão cautelar do réu condenado, desde que existam, no entanto, quanto a ela, reais motivos evidenciadores da necessidade de adoção dessa extraordinária medida constritiva de ordem pessoal (RTJ 193/936, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 71.644/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Para efeito de legitimação da prisão cautelar motivada por condenação recorrível (como sucede na espécie), exigir-se-á, sempre, considerada a inconstitucionalidade da execução penal provisória, a observância de certos requisitos, hoje estabelecidos em sede legal (CPP, art. 387, parágrafo único, acrescentado pela Lei nº 11.719/2008), sem os quais não terá validade jurídica alguma esse ato de constrição da liberdade pessoal do sentenciado, sendo destituída de eficácia a fórmula genérica (“Expeçam-se mandados de prisão”) utilizada pelo Tribunal de Justiça local, consoante adverte o magistério da doutrina (ROBERTO DELMANTO JÚNIOR, “As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração”, p.  202/234, itens ns. 6 e 7, 2ª ed., 2001, Renovar; LUIZ FLÁVIO GOMES, “Direito de Apelar em Liberdade”, p. 104, item n. 3, 2ª ed., 1996, RT; PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN/JORGE ASSAF MALULY, “Curso de Processo Penal”, p. 163/164, item n. 7.1.5, 3ª ed., 2005, Forense; MARCELLUS POLASTRI LIMA, “A Tutela Cautelar no Processo Penal”, p. 286/301, item n. 4.4.3.1.5, 2005, Lumen Juris; ROGERIO SCHIETTI MACHADO CRUZ, “Prisão Cautelar”, 2006, Lumen Juris, v.g.), em lições que têm merecido, no tema, o beneplácito da jurisprudência desta Corte Suprema.

O exame da decisão ora questionada - que decretou, sem qualquer fundamentação, a prisão dos pacientes, não obstante tenham estes a possibilidade de recorrer do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça local - revela que esse ato decisório não se ajusta ao magistério jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte, pois - insista-se - a denegação, ao sentenciado, do direito de recorrer (ou de permanecer) em liberdade depende, para legitimar-se, da ocorrência concreta de qualquer das hipóteses referidas no art. 312 do CPP (RTJ 195/603, Rel. Min. GILMAR MENDES - HC 84.434/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES - HC 86.164/RO, Rel. Min. AYRES BRITTO, v.g.), a significar, portanto, que, inexistindo fundamento autorizador da privação meramente processual da liberdade do réu, esse ato de constrição reputar-se-á ilegal, porque destituído, em referido contexto, da necessária cautelaridade (RTJ 193/936):

“(...) PRISÃO CAUTELAR – CARÁTER EXCEPCIONAL.
- A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade.
A prisão processual, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu.

- A questão da decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Doutrina. Precedentes.” (HC 89.754/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Em suma: a prisão processual, de ordem meramente cautelar, ainda que fundada em condenação penal recorrível, tem como requisito legitimador a existência de situação de real necessidade, apta a ensejar, ao Estado, quando efetivamente configurada, a adoção - sempre excepcional - dessa medida constritiva de caráter pessoal, a significar que se mostra insuficiente, para tal fim, a exclusiva motivação subjacente ao decreto de condenação, cujos elementos não se confundem nem satisfazem a exigência de específica demonstração da ocorrência, em cada caso, dos pressupostos de cautelaridade inerentes à prisão meramente processual.

Demais disso, se os ora pacientes, como no caso, estavam em liberdade, havendo dela sido privados apenas com o advento do acórdão condenatório emanado da E. Corte judiciária paulista, a prisão contra eles decretada - embora fundada em condenação penal recorrível (o que lhe atribui índole eminentemente cautelar) - somente se justificaria, se, motivada por fato posterior, este se ajustasse, concretamente, a qualquer das hipóteses referidas no art. 312 do CPP, circunstância esta que não se demonstrou ocorrente na espécie, pois, repita-se, a decisão do Tribunal de Justiça local apresenta-se despojada de qualquer fundamentação.

Todas as razões que venho de referir justificam a superação da restrição fundada na Súmula 691/STF, eis que a denegação da liminar aos pacientes, por ilustre Ministro do E. Superior Tribunal de Justiça - e presente o contexto em exame -, revela-se em conflito com a jurisprudência que esta Suprema Corte firmou na matéria, o que autoriza a apreciação do presente “writ”.

Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação de “habeas corpus”, suspender, cautelarmente, a eficácia das ordens de prisão expedidas, contra os ora pacientes, nos autos da Apelação Criminal nº 0037767-54.2002.8.26.0050, julgada pela 5ª Câmara de Direito Criminal do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Processo-crime nº 1645/02, que tramitou perante a 29ª Vara Criminal da comarca de São Paulo/SP).

Caso os pacientes já tenham sofrido prisão em decorrência do acórdão em questão (Apelação Criminal nº 0037767-54.2002.8.26.0050 - 5ª Câmara de Direito Criminal do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), deverão ser postos, imediatamente, em liberdade, se por tal não estiverem presos.

2. Comunique-se, com urgência, encaminhando-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 231.250/SP), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Criminal nº 0037767-54.2002.8.26.0050) e ao MM. Juiz de Direito da 29ª Vara Criminal da comarca de São Paulo/SP (Processo-crime nº 1645/02).

Publique-se.
Brasília, 27 de fevereiro de 2012.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJe de 1º.3.2012.

Informativo nº 666 do STF

2ª Turma do STF reitera que eventual cabimento de REsp não constitui óbice à impetração de HC


O eventual cabimento de recurso especial não constitui óbice à impetração de habeas corpus, desde que o direito-fim se identifique direta ou imediatamente com a liberdade de locomoção física do paciente. Com base nesse entendimento, a 2ª Turma deferiu writ para que o STJ conheça de habeas lá impetrado e se pronuncie sobre o seu mérito. No caso, a Corte a qua não conhecera dessa medida por considerar inadequada a utilização da garantia constitucional em substituição aos recursos ordinariamente previstos nas leis processuais, haja vista que seria hipótese de cabimento de recurso especial. HC 108994/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 15.5.2012. (HC-108994)

Informativo nº 666 do STF

2ª Turma do STF indeferi HC em que se alegava nulidade de interceptação telefônica realizada pela PM


Polícia militar e execução de interceptação telefônica - 1

A 2ª Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava nulidade de interceptação telefônica realizada pela polícia militar em suposta ofensa ao art. 6º da Lei 9.296/96 (“Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização”). Na espécie, diante de ofício da polícia militar, dando conta de suposta prática dos crimes de rufianismo, manutenção de casa de prostituição e submissão de menor à exploração sexual, a promotoria de justiça requerera autorização para interceptação telefônica e filmagens da área externa do estabelecimento da paciente, o que fora deferida pelo juízo. HC 96986/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 15.5.2012. (HC-96986)


Polícia militar e execução de interceptação telefônica - 2

Asseverou-se que o texto constitucional autorizaria interceptação telefônica para fins de investigação criminal ou de instrução processual penal, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma da lei (CF, art. 5º, XII). Sublinhou-se que seria típica reserva legal qualificada, na qual a autorização para intervenção legal estaria submetida à condição de destinar-se à investigação criminal ou à instrução processual penal. Reconheceu-se a possibilidade excepcional de a polícia militar, mediante autorização judicial, sob supervisão do parquet, efetuar a mera execução das interceptações, na circunstância de haver singularidades que justificassem esse deslocamento, especialmente quando, como no caso, houvesse suspeita de envolvimento de autoridades policias da delegacia local. Consignou-se não haver ilicitude, já que a execução da medida não seria exclusiva de autoridade policial, pois a própria lei autorizaria o uso de serviços e técnicos das concessionárias (Lei 9.296/96, art. 7º) e que, além de sujeitar-se ao controle judicial durante a execução, tratar-se-ia apenas de meio de obtenção da prova (instrumento), com ela não se confundindo. HC 96986/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 15.5.2012. (HC-96986)

Informativo nº 666 do STF

Novo CP: instituto da barganha vai permitir acordo com processo em curso para réu que confessar crime


A ideia de troca entre as partes envolvidas num processo, em que cada uma cede um pouco para uma finalidade maior, ganhou corpo e letra no projeto do novo Código Penal. A comissão de juristas que prepara o texto a ser apreciado pelo Congresso Nacional aprovou nesta segunda-feira (28) o instituto da barganha, que permitirá que um processo judicial já em curso possa ser encerrado por acordo entre as partes – acusador e acusado. A regra veda o regime inicial fechado.

Um dos requisitos para a barganha é a confissão, total ou parcial, em relação aos fatos imputados na denúncia. Além disso, as partes devem dispensar a produção de provas por elas indicadas. Por outro lado, a pena privativa de liberdade deve ser aplicada em não mais que o mínimo legal – podendo ainda ser reduzida de um terço. Se houver pena de multa, esta também deve ser no mínimo, devendo o valor constar no acordo. 

“Estamos pela primeira vez rompendo com o devido processo legal. Este instituto é revolucionário”, comemorou o relator do anteprojeto do novo Código Penal, procurador regional da República Luiz Carlos Gonçalves. Ele explica que crimes cuja pena seja de até oito anos, em tese, admitiriam o acordo.

As partes são adultas e capazes. Esta proposta dá poder às partes. A acusação, ao fazer um acordo, terá algo em mente; e a defesa, ao fazer o acordo, terá outras coisas. O importante é que haja uma convergência desses objetivos”, detalhou o relator. 

Crimes graves 

A comissão focou a aplicação do novo instituto nos crimes de médio potencial ofensivo. Pesou na decisão a falta de estrutura das defensorias públicas dos estados, o que pode causar prejuízos aos réus em crimes graves, cuja pena mínima inicial é em regime fechado.

“As instituições não estão preparadas para lidar com a barganha em crimes de homicídio, por exemplo. Na grande maioria das cidades não existem defensorias e não é possível haver paridade de armas num acordo, em que uma parte vai se sobrepor à outra. A lei precisa equilibrar isso”, afirmou a defensora pública Juliana Belloque. 

Na prática, Juliana acredita que a barganha não será aceita por réus primários em processos cuja pena máxima seja até dois anos e a pena mínima seja até um ano de prisão. Nesses casos, é possível a transação penal ou a suspensão condicional do processo.

No entanto, para a solução judicial dos demais crimes que se enquadrem no critério estabelecido pela comissão, ela vê vantagens. “É inerente a qualquer acordo que haja cessão pelos dois lados. A pena é certa com a confissão, mas a pena será reduzida”, comentou a defensora.

Juliana resumiu a ideia da barganha como o pensamento de que mais vale a pena célere, imediata e rápida, do que aquela que pode ser maior, mas virá depois de muito tempo do cometimento do crime. “A justiça tardia é justiça falha”, disse.

Conforme o texto aprovado, recebida definitivamente a denúncia ou a queixa, o advogado ou defensor público, de um lado, e o órgão do Ministério Público ou querelante responsável pela causa, de outro, querendo, poderão celebrar acordo para a aplicação imediata das penas, antes da audiência de instrução e julgamento. 

A homologação do acordo deve ser feita pelo juiz, e é considerada sentença condenatória. Pela proposta, “o juiz não homologará o acordo se matéria de ordem pública favorável à defesa for reconhecida no processo e se o acusado, advertido das consequências da transação, recusá-la”. O acordo pode prever também os prejuízos suportados pela vítima e seus sucessores, que deverão ser ouvidos. 

Atualmente, a possibilidade de acordo só existe para alguns tipos de crimes e antes do processo ser instaurado. Hoje, uma vez iniciado o trâmite judicial, ainda que haja acordo entre Ministério Público e acusado, não é possível interromper ou encerrar o processo. 

Eleitorais 

Pela proposta da comissão, o novo Código Penal deve incorporar condutas criminais eleitorais. Por sugestão do relator, a reforma reduz os 85 tipos, existentes desde 1965, para apenas 14 crimes. Entre as condutas descriminalizadas está a chamada “boca de urna”, que passa a ser apenas um ilícito cível, e o ato de “furar a fila” da ordem de votação.

Já o uso eleitoral da máquina administrativa (uso de recursos administrativos), pela proposta, terá a pena aumentada para dois a cinco anos de prisão, pena bem mais severa que a atual – seis meses. A corrupção eleitoral ativa (entrega de uma vantagem para o eleitor) e a corrupção passiva receberam pena de um a quatro anos. Se o juiz constatar que o eleitor aceitou a vantagem em razão de extrema miserabilidade, poderá deixar de aplicar a pena (perdão judicial). 

Entre os outros crimes incorporados ao novo Código Penal estão: inscrição fraudulenta de eleitor; retenção indevida de título; divulgação de fatos inverídicos (mentir com capacidade de influenciar o eleitor); inutilização de propaganda legal; violação e destruição de urna; falsa identidade eleitoral; falsificação de resultado eleitoral (falsificar o resultado da votação em urna manual ou eletrônica) e coação eleitoral. 

Tortura 

Em outro ponto analisado na reunião, a comissão classificou o crime de tortura como imprescritível, inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. As penas foram aumentadas: para quem constrange alguém ou o submete a intenso sofrimento físico e mental, a pena foi elevada de dois a oito anos (legislação vigente hoje) para quatro a dez anos de prisão. 

Se da tortura resultar lesão corporal grave, a pena será de prisão de seis a 12 anos (atualmente é de quatro a dez anos); se resultar morte não intencional e as circunstâncias do fato demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena pode ir de oito a 20 anos (hoje, não passa de 16 anos). 

Caso a morte seja intencional, os juristas esclareceram que o réu responderá pelo homicídio e pela tortura. Outra hipótese prevista para o novo Código Penal é a ocorrência de suicídio da vítima, em razão do sofrimento físico ou mental advindo dos atos de tortura. Nesse caso, a pena poderá ser idêntica à hipótese de morte culposa após a tortura – de oito a 20 anos.

Se alguma autoridade tomar conhecimento do crime de tortura e não determinar as providências cabíveis, incidirá nas penas de um a quatro anos.

Ainda quanto ao crime de tortura, a comissão inseriu motivações por discriminação ou preconceito de identidade ou orientação sexual, cor, gênero e procedência regional ou nacional entre aquelas previstas na descrição do tipo penal – raça e religião já estavam previstas na Lei 9.455/97, ao lado de outras motivações. A tortura estará inserida no capítulo dos crimes contra os direitos humanos. 

A comissão de reforma do Código Penal, presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, volta a se reunir no dia 11 de junho, às 10h, no Senado. O texto do anteprojeto deverá ser finalizado até 25 de junho. 

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

NOTA PÚBLICA: AASP SE MANIFESTA CONTRA TENTATIVA DE INTIMIDAR A ADVOCACIA


A Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) vem manifestar veemente repúdio contra a ignóbil tentativa de intimidar a advocacia, consubstanciada em representação elaborada por procurador da República buscando impedir um advogado de exercer livremente o seu nobre mister. 

Segundo notícias amplamente divulgadas pela imprensa, pretende o representante do Ministério Público que a contratação do advogado Marcio Thomaz Bastos para exercer a defesa de um cidadão que se encontra sob investigação no âmbito penal seja considerada ilícita.

Tal intento viola não apenas prerrogativa profissional do advogado, como os mais comezinhos princípios constitucionais que alicerçam o Estado Democrático de Direito, os quais garantem a todo e qualquer cidadão a presunção de inocência e o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório. 

Medidas desvirtuadas e panfletárias como essa, que buscam intimidar e amordaçar a classe dos advogados, são típicas de estados totalitários e não são, e nunca serão, aceitas pelos cidadãos de nosso país, merecendo ostensivo e firme repúdio da advocacia e de todos os que acreditam que não é pela supressão dos meios de defesa dos acusados que se alcança a justiça.

Transmissão proposital de HIV é classificada como lesão corporal grave


A transmissão consciente do vírus HIV, causador da Aids, configura lesão corporal grave, delito previsto no artigo 129, parágrafo 2º, do Código Penal (CP). O entendimento é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e foi adotado no julgamento de habeas corpus contra decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF). A Turma acompanhou integralmente o voto da relatora, ministra Laurita Vaz. 

Entre abril de 2005 e outubro de 2006, um portador de HIV manteve relacionamento amoroso com a vítima. Inicialmente, nas relações sexuais, havia o uso de preservativo. Depois, essas relações passaram a ser consumadas sem proteção. Constatou-se mais tarde que a vítima adquiriu o vírus. O homem alegou que havia informado à parceira sobre sua condição de portador do HIV, mas ela negou. 

O TJDF entendeu que, ao praticar sexo sem segurança, o réu assumiu o risco de contaminar sua parceria. O tribunal também considerou que, mesmo que a vítima estivesse ciente da condição do seu parceiro, a ilicitude da conduta não poderia ser excluída, pois o bem jurídico protegido (a integridade física) é indisponível. 

O réu foi condenado a dois anos de reclusão com base no artigo 129 do CP. A defesa entrou com pedido de habeas corpus no STJ, alegando que não houve consumação do crime, pois a vítima seria portadora assintomática do vírus HIV e, portanto, não estaria demonstrado o efetivo dano à incolumidade física. 

Pediu sursis (suspensão condicional de penas menores de dois anos) humanitário e o enquadramento da conduta do réu nos delitos previstos no Título I, Capítulo III (contágio venéreo ou de moléstia grave e perigo para a vida ou saúde de outrem).

Enfermidade incurável 

No seu voto, a ministra Laurita Vaz salientou que a instrução do processo indica não ter sido provado que a vítima tivesse conhecimento prévio da situação do réu, alegação que surgiu apenas em momento processual posterior. A relatora lembrou que o STJ não pode reavaliar matéria probatória no exame de habeas corpus. 

A Aids, na visão da ministra Vaz, é perfeitamente enquadrada como enfermidade incurável na previsão do artigo 129 do CP, não sendo cabível a desclassificação da conduta para as sanções mais brandas no Capítulo III do mesmo código. “Em tal capítulo, não há menção a doenças incuráveis. E, na espécie, frise-se: há previsão clara no artigo 129 do mesmo estatuto de que, tratando-se de transmissão de doença incurável, a pena será de reclusão, de dois a oito anos, mais rigorosa”, destacou. 

Laurita Vaz ressaltou o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Habeas Corpus 98.712, entendeu que a transmissão da Aids não era delito doloso contra a vida e excluiu a atribuição do tribunal do júri para julgar a controvérsia. Contudo, manteve a competência do juízo singular para determinar a classificação do delito. 

A relatora apontou que, no voto do ministro Ayres Britto, naquele julgamento do STF, há diversas citações doutrinárias que enquadram o delito como lesão corporal grave. “Assim, após as instâncias ordinárias concluírem que o agente tinha a intenção de transmitir doença incurável na hipótese, tenho que a capitulação do delito por elas determinadas (artigo 129, parágrafo 2º, inciso II, do CP) é correta”, completou a ministra.

Sobre o fato de a vítima não apresentar os sintomas, Laurita Vaz ponderou que isso não tem influência no resultado do processo. Asseverou que, mesmo permanecendo assintomática, a pessoa contaminada pelo HIV necessita de acompanhamento médico e de remédios que aumentem sua expectativa de vida, pois ainda não há cura para a enfermidade. 

Quanto ao sursis humanitário, a relatora esclareceu que não poderia ser concedido, pois o pedido não foi feito nas instâncias anteriores e, além disso, não há informação sobre o estado de saúde do réu para ampará-lo. 

HC 160982
Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Governo torna crime exigir cheque caução em hospital


A presidente Dilma Rousseff sancionou ontem a lei que torna crime a exigência de cheque caução em hospitais.

A pena para quem descumprir a lei é de detenção de três meses a um ano, além de multa. A punição poderá ser dobrada caso a pessoa que não tenha recebido atendimento sofra uma "lesão corporal grave" e triplicada se houver a morte do paciente. 

De acordo com a lei, o hospital não poderá exigir "cheque caução, nota promissória, ou qualquer garantia" nem "preenchimento prévio de formulários", como condição para atendimento médico emergencial. 

A norma foi publicada na edição de ontem do "Diário Oficial da União". 

O projeto que torna crime a exigência do cheque caução havia sido aprovado no Senado no início de maio.

O tema ganhou o apoio do governo após a morte do secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira, em janeiro. Ele não foi atendido em dois hospitais de Brasília, diz a família, pois não tinha cheque para caução. 

Folha de S. Paulo – Cotidiano
Kelly Mattos
de Brasília

Comissão aprova descriminalização de drogas


Quantidade considerada para uso próprio vai variar dependendo do entorpecente, de acordo com a Anvisa agência senado.

A Comissão Especial de Juristas que elabora o anteprojeto do novo Código Penal aprovou nesta segunda-feira (28) a descriminalização do uso de drogas no país. Pelo texto, salvo prova em contrário, será presumido que se destina a uso pessoal uma quantidade de substância entorpecente encontrada com o usuário que represente consumo médio individual de cinco dias.

A quantificação específica, a depender também do grau lesivo da droga, dependerá ainda de regulamentação específica a ser elaborada pela autoridade administrativa de saúde, que hoje compete à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Identificar se a droga sob posse do usuário se destina a uso pessoal dependerá não apenas da quantidade, mas também da própria natureza da substância, ainda conforme a regulamentação. Para distinguir consumo pessoal e tráfico, outros aspectos deverão ser ainda examinados pelas autoridades, como a situação concreta da pessoa que estiver com a droga, sua conduta no momento e ainda circunstâncias sociais e pessoais em que encontre.

"Se a pessoa é surpreendida vendendo droga, não importa a quantidade: é tráfico", observou o procurador regional da República Luiz Carlos Gonçalves, que é o relator da Comissão de Juristas.

Pela legislação vigente, o usuário é aquela pessoa que compra a droga para consumo próprio, numa quantidade que cabe ao um juiz definir se caracteriza essa hipótese. Não há previsão sobre limite de quantidade de droga em termos de dias de consumo, havendo com isso confusão de interpretação entre os juízes.

Atualmente, são aplicadas penas que vão de advertência sobre os efeitos das drogas a prestação de serviços à comunidade, além de medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Juiz concede liberdade condicional ao goleiro Bruno, mas prisão por homicídio continua


O juiz Wagner Cavalieri, da Vara de Execuções Penais de Contagem (MG), deferiu nesta terça-feira (29) a progressão de pena para o regime semiaberto e concedeu livramento condicional ao goleiro Bruno Souza pela condenação relativa a lesão corporal, cárcere privado e constrangimento ilegal de Eliza Samudio, sua ex-amante. O goleiro havia sido condenado pela Justiça do Rio de Janeiro em 2010 a quatro anos e seis meses de prisão pelos crimes que teriam ocorrido em 2009.

No entanto, o goleiro permanecerá preso na penitenciária de segurança máxima Nelson Hungria, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, por conta de mandado de prisão preventiva expedido contra ele pelo Tribunal do Júri da cidade mineira.

Bruno está preso desde julho de 2010 pela acusação de ter sido o mandante do assassinato de Eliza Samudio. Sendo assim, ele já cumpriu mais de um sexto da pena imposta no Rio de Janeiro e somado a um bom comportamento apresentando na prisão e por ser réu primário à época da condenação, o jogador obteve o direito de pleitear a progressão da pena.

Segundo a assessoria do TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais), o processo foi transferido do Rio de Janeiro para Contagem (MG) pelo fato de o réu estar preso no Estado acusado de um crime de homicídio.

O advogado Rui Pimenta, que defende o goleiro, aguarda um julgamento de pedido de habeas corpus impetrado no STF (Supremo Tribunal Federal) para que ele aguarde o julgamento da acusação de homicídio, ainda sem data definida, em liberdade.

A liminar do habeas corpus com pedido de soltura do goleiro foi indeferida em dezembro do ano passado pelo ministro Ayres Brito. Agora, o colegiado do Supremo vai analisar o mérito do HC, em data indefinida.

De acordo com Francisco Simim, que defende o goleiro ao lado de Pimenta, a defesa está aguardando o resultado do julgamento no STF para pedir o desmembramento do processo sobre o suposto homicídio de Eliza Samudio à Justiça. Segundo Simim, a intenção é que os defensores tenham mais tempo para fazerem suas explanações perante o júri popular.

Em casos com mais de dois réus, explicou o advogado, o Código de Processo Penal manda acrescer uma hora ao tempo da defesa, que normalmente é de uma hora e meia, e dividi-lo em partes iguais para todos os réus. No caso do sumiço de Samudio, são oito réus no total. Com o desmembramento, a defesa espera ter o tempo total para fazer suas argumentações.

Rayder Bragon
Do UOL, em Belo Horizonte

Brasil tem quarta maior população carcerária do mundo


Superlotação é um alvo de críticas da ONU e de especialistas. Déficit de vagas nos sistemas prisionais chega a 200 mil no País.
Com cerca de 500 mil presos, o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado. O déficit de vagas (quase 200 mil) é um dos principais focos das críticas da ONU sobre desrespeito a direitos humanos no país.
Ao ser submetido na semana passada pela Revisão Periódica Universal - instrumento de fiscalização do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU -, o Brasil recebeu como recomendação "melhorar as condições das prisões e enfrentar o problema da superlotação".
Segundo a organização não-governamental Centro Internacional para Estudos Prisionais (ICPS, na sigla em inglês), o Brasil só fica atrás em número de presos para os Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhão) e Rússia (740 mil). De acordo com os dados mais recentes do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), de 2010, o Brasil tem um número de presos 66% superior à sua capacidade de abrigá-los (déficit de 198 mil).
“Pela lei brasileira, cada preso tem que ter no mínimo seis metros quadrados de espaço (na unidade prisional). Encontramos situações em que cada um tinha só 70 cm quadrados", disse o deputado federal Domingos Dutra (PT-MA), que foi relator da CPI do Sistema Carcerário, em 2008.

Falta de condições
Segundo ele, a superlotação é inconstitucional e causa torturas físicas e psicológicas. "No verão, faz um calor insuportável e no inverno, muito frio. Além disso, imagine ter que fazer suas necessidades com os outros 49 pesos da cela observando ou ter que dormir sobre o vaso sanitário".

De acordo com ele, durante a CPI, foram encontradas situações onde os presos dormiam junto com porcos, no Mato Grosso do Sul, e em meio a esgoto e ratos, no Rio Grande do Sul. Segundo o defensor público Patrick Cacicedo, do Núcleo de Sistema Carcerário da Defensoria de São Paulo, algumas unidades prisionais estão hoje funcionando com o triplo de sua capacidade.
Em algumas delas, os presos têm de se revezar para dormir, pois não há espaço na cela para que todos se deitem ao mesmo tempo. "A superlotação provoca um quadro geral de escassez. Em São Paulo, por exemplo, o que mais faz falta é atendimento médico, mas também há (denúncias de) racionamento de produtos de higiene, roupas e remédios", disse o defensor.
Vigilância 
Porém, abusos de direitos humanos não ocorrem somente devido ao déficit de vagas. Em todo país, há denúncias de agressões físicas e até tortura contra detentos praticadas tanto por outros presos quanto por agentes penitenciários. 
"No dia a dia, recebemos muitas denúncias de agressões físicas, mas é muito difícil provar, pelo próprio ambiente (de isolamento). Quando a denúncia chega e você vai apurar, as marcas (da agressão na vítima) já sumiram e não há testemunhas", disse.
O número de mortes de detentos nos sistemas prisionais não é divulgado pelos Estados, segundo o assessor jurídico da Pastoral Carcerária, José de Jesus Filho. "O sistema penitenciário é opaco, uma organização (não-governamental) já tentou fazer esse levantamento, mas não conseguiu", disse.
Segundo o deputado Dutra, o ambiente geral desfavorável aos direitos humanos no sistema prisional do país foi o que possibilitou o surgimento de facções criminosas. Entre elas estão o Comando Vermelho e o Terceiro Comando, no Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital, em São Paulo, que hoje operam as ações do crime organizado dentro e fora dos presídios.

Defensores

Outra recomendação explícita feita pelo grupo de 78 países-membros durante a sabatina na ONU foi a disponibilização permanente de defensores públicos em todas as unidades prisionais do país. Uma das funções deles seria acelerar a apuração de abusos de direitos humanos contra presos.
Outros papeis seriam oferecer assistência jurídica para que os detentos não fiquem encarcerados após acabar de cumprir suas penas ou tenham acesso mais rápido ao sistema de progressão penitenciária (regime semiaberto ou liberdade assistida) - o que ajudaria a reduzir a superlotação.
Mas o país ainda está longe dessa realidade. Só em São Paulo, um dos três Estados com maior número de defensores, o atendimento a presos nas unidades prisionais é feito por meio de visitas esporádicas.
Segundo Cacicedo, apenas 29 das 300 comarcas do Estado têm defensoria. Além disso, só 50 dos 500 defensores se dedicam ao atendimento dos presos.
O Estado, no entanto, possui 151 unidades prisionais da Secretaria de Administração Penitenciária (sem contar as cadeias públicas subordinadas à Secretaria de Segurança Pública.)

Soluções

Segundo Jesus Filho, os problemas não são resolvidos em parte devido ao perfil da maioria dos detentos.
Um levantamento da Pastoral Carcerária mostra que a maior parte tem baixa escolaridade, é formada por negros ou pardos, não possuía emprego formal e é usuária de drogas.
Segundo o deputado Dutra, uma possível solução para reduzir a população carcerária seria o emprego de detentos em obras públicas e estímulo para que eles estudem durante a permanência na prisão.
A legislação já permite que a cada três dias de trabalho um dia seja reduzido da pena total. Mas, segundo Dutra, nem todos os governos estaduais exploram essa possibilidade.
BBC Brasil 

Dilma sanciona lei que cria banco de DNA de criminosos no País


Banco de material reúne vestígios humanos como sangue, sêmen, unhas e fios de cabelo deixados em locais de crimes.

A lei que cria um banco nacional de DNA para auxiliar na elucidação de crimes violentos foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff e publicada hoje (29) no Diário Oficial da União. A proposta, de autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), visa a instituir no Brasil uma unidade central de informações genéticas, gerenciada por uma unidade oficial de perícia criminal.

Esse banco de material reúne vestígios humanos como sangue, sêmen, unhas e fios de cabelo deixados em locais de crimes que poderão ser usados pelas autoridades policiais e do Judiciário nas investigações. Também fará parte do banco o material genético de criminosos condenados por violência dolosa, quando há intenção de praticar o crime.

Todos os dados coletados serão sigilosos e os perfis genéticos deverão seguir normas constitucionais e internacionais de direitos humanos. Segundo a lei, as informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo feito por perito oficial devidamente habilitado.

Segundo o presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais do Departamento de Polícia Federal (APCF), Hélio Buchmüller, a proposta é uma reivindicação antiga dos peritos criminais federais. “A gente [os peritos criminais] vem orientando setores do governo há oito anos para a criação dessa ferramenta. Temos a possibilidade de implementá-la, mas necessita de amparo legal.”

Atualmente, vários países, como os Estados Unidos, o Canadá, a França, a Alemanha, o Japão e a Austrália, usam banco de dados genéticos como ferramenta em investigações criminais. Para Buchmüller, o Brasil ainda está muito atrasado em relação a isso. “Os principais países do mundo aplicam porque têm a avaliação do bem que essa ferramenta traz. Ela salva vidas, evita que pessoas sejam mortas, estupradas e que pessoas sejam erroneamente acusadas.”

De acordo com o advogado criminalista e ex-diretor do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Alberto Toron, a lei representa um grande avanço, pois permitirá identificar com mais segurança pessoas que praticaram crimes, bem como evitar que inocentes sejam punidos. “Estamos avançando no campo da polícia científica, utilizando avanços tecnológicos para permitir identificar os autores de crimes graves e violentos, e, com isso, minimizar os erros judiciais.”

O prazo para a lei entrar em vigor é 180 dias.

Agência Brasil 

Comissão de juristas aprova fim de 80% dos crimes eleitorais


A comissão de juristas responsável pela reforma do Código Penal no Senado aprovou ontem a extinção de mais de 80% dos atuais crimes eleitorais. Com a mudança, dos 80 crimes que existem hoje sobrariam 14. 

A proposta precisa ser aprovada pelo Congresso e não altera as eleições deste ano. 

A comissão entendeu que muitos dos crimes estão ultrapassados - vários se referem a cédulas, por exemplo. Para outros casos, como a boca de urna, os juristas defendem que a punição administrativa (multa) é suficiente. 

A comissão aprovou ainda o aumento da pena para o crime de uso eleitoral da máquina estatal, hoje punido com até seis meses de prisão.

Fonte: Folha de S. Paulo - Poder

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Somente com o trânsito em julgado da sentença é permitida execução de medida de segurança


Não é possível que réu julgado inimputável cumpra medida de segurança imposta a ele antes do trânsito em julgado da sentença. O entendimento é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No caso, o réu, acusado de homicídio qualificado, foi impronunciado pela juíza do tribunal do júri. Após recurso do Ministério Público estadual, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) impôs ao homem internação em hospital psiquiátrico por no mínimo dois anos, como medida de segurança.

No STJ, a decisão do tribunal local foi anulada por falta de intimação pessoal do representante da Defensoria Pública para o julgamento do recurso. Porém, a Justiça paulista determinou novamente a internação e expediu ordem para que o réu fosse submetido desde logo a tratamento em caráter provisório.

A defesa mais uma vez discordou da decisão do TJSP e o caso voltou ao STJ. Ela alegou que a determinação de internação imediata do réu não havia sido fundamentada e pediu sua libertação.

Sanção penal

A ministra Laurita Vaz, relatora do pedido, afirmou que a medida de segurança se insere no gênero sanção penal, assim como a pena. Porém, a relatora avaliou, com base em julgamento do Supremo Tribunal Federal, que não é cabível a execução provisória da medida de segurança como ocorre com a pena aplicada aos imputáveis.

A ministra também lembrou o disposto no artigo 171 da Lei de Execuções Penais: “Transitada em julgado a sentença que aplicar medida de segurança, será ordenada a expedição de guia para a execução.” Portanto, a internação só poderia ser iniciada após o esgotamento de recursos contra a sentença que determinou a medida.

A Turma, de forma unânime, reconheceu o direito do réu de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da sentença.

Processo: HC 226014

Fonte: Superior Tribunal de Justiça 

NOTA OFICIAL: EM DEFESA DA DEFESA (OAB SP)


Em Nota Oficial, divulgada neste domingo (27/5), o presidente da OAB SP Luiz Flávio Borges D´Urso rebate críticas feitas ao advogado Márcio Thomáz Bastos, hostilizado - a exemplo do que aconteceu com outros advogados - em decorrência do cliente que defende.

NOTA OFICIAL: EM DEFESA DA DEFESA

Como presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, secção de São Paulo, venho a público, diante das insistentes críticas dirigidas ao advogado Márcio Thomaz Bastos, em razão de sua atuação como defensor em casos de grande repercussão nacional, mais uma vez salientar que o papel do advogado é obrigatório e absolutamente indispensável para que se obtenha Justiça, além de que jamais se pode confundir o advogado com seu cliente.

O fato de o advogado Márcio Thomáz Bastos ter sido Ministro da Justiça, não lhe impede de agora advogar livremente, sem qualquer restrição legal, aliás, o que já ocorre com inúmeros outros colegas que ocuparam postos e cargos de destaque na política nacional, também como Ministros da Justiça, Secretários de Estado da Justiça, Secretários de Estado da Segurança Pública, dentre outros.

Diante de julgamentos de crimes de grande repercussão, quando o público em geral não admite ao acusado nem mesmo argumentos em sua defesa, imediatamente a opinião pública antagoniza o advogado que, para cumprir bem sua função, precisa enfrentar esse pré-julgamento sem temor, com total independência, apesar da incompreensão.

A história se repete mais uma vez. Foram centenas de vezes que, em nossas gestões à frente da OAB SP, viemos à público defender colegas hostilizados por parte de nossa sociedade, simplesmente porque patrocinaram causas antipáticas à opinião pública ou à parcela da mídia. Na grande maioria modestos e humildes advogados que sofreram a ira popular e o bombardeio de notícias que lhe censuravam o comportamento profissional, na capital e na maioria das vezes pelo interior do Estado.

O exemplo mais recente desses casos em que interviemos, foi o da advogada Ana Lucia Assad, que sofreu na carne a incompreensão e a cólera dirigida a seu cliente, sendo confundida com este, além de violada em suas prerrogativas profissionais. Nossa reação foi além das manifestações de solidariedade e esclarecimento à sociedade sobre o papel da defesa, compreendendo também desagravo público, assistência e a própria defesa da colega em juízo.

Como bandeira maior de nossas gestões na OAB SP, a defesa intransigente das prerrogativas profissionais dos advogados tem sido realizada diariamente por milhares de colegas que voluntariamente amparam os advogados ofendidos ou violados no exercício da profissão. Defender prerrogativas é defender cidadania. Por isso é que lutamos para aprovação do nosso projeto que criminaliza a violação às prerrogativas dos advogados.

Nesses casos rumorosos, o que nem sempre é claro para a sociedade é que o advogado tem a missão de buscar um julgamento justo no interesse de seu cliente, com base no Direito e nas provas.

Por mais grave que seja o crime imputado a alguém, o advogado tem o dever de promover sua defesa. Rui Barbosa foi incisivo ao afirmar que ninguém é indigno de defesa.

Tenho sempre  lembrado que uma das referências históricas mais emblemáticas sobre a importância da missão do advogado é encontrada na frase de Napoleão Bonaparte, que dizia preferir cortar a língua dos advogados a permitir que eles a utilizassem contra o governo. Esse tipo de pensamento demonstra que a Advocacia confronta o autoritarismo e só prospera dentro do Estado Democrático de Direito.

O papel social e institucional do advogado é imprescindível nos regimes democráticos assegurando a todos os cidadãos a observância de seus direitos constitucionais e legais. Quem já foi acusado de algum ilícito e sofreu processo penal conhece a importância do trabalho da defesa, visando aclarar os fatos, superar as arbitrariedades e fazer triunfar a Justiça.

O advogado, insistimos, não pode ter sua figura confundida com a de seu cliente, não deve ser hostilizado pela opinião pública e pelas autoridades policiais ou judiciárias, ou ainda sofrer "linchamento moral" por parcela da mídia.

A sua atuação acontece no âmbito do devido processo legal. Ele deve garantir a ampla defesa e o contraditório ao acusado, observando o princípio da presunção de inocência, até final decisão judicial. O advogado não busca a impunidade do seu cliente, mas tem a obrigação de assegurar que lhe seja feita Justiça.

A profissão de advogado foi constitucionalizada na Carta Magna de 1988, reconhecendo o legislador a sua indispensabilidade à administração da Justiça e a inviolabilidade do advogado por atos e manifestações no exercício profissional.

Temos reiterado à sociedade que o advogado é como o padre, que abomina o pecado, mas ama o pecador. O advogado abomina o crime e deve amar sua missão de defender aqueles que a ele recorrem para ter um julgamento justo.

Dessa forma, a OAB SP mais uma vez vem a público, não só para prestar solidariedade ao colega atacado, mas para esclarecer à sociedade sobre essa indispensável missão, fazendo a Ordem à defesa pública da defesa, que acontece quer pelas mãos do festejado advogado Márcio Thomáz Bastos ou pelo mais humilde dos colegas, todos cumprindo papel da mesma relevância, com a mesma coragem e dignidade, em prol da Justiça.

São Paulo, 25 de maio de 2012
LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO
Presidente da OAB SP